O veneno contido no ‘fundamentalismo’ americano

Não são os 3 mil homens da al-Qaeda, a rede terrorista comandada por Osama bin Laden, que ameaçam a paz e a liberdade no mundo. 

 

O escritor paquistanês Tariq Ali

É o imperialismo americano. Até porque foi esse que propiciou, entre outras coisas, a implantação daquela. O escritor paquistanês Tariq Ali, graduado em Política, Economia e Filosofia por Oxford, passou o último mês defendendo essa tese nos Estados Unidos.

“A reação foi muito positiva”, assegura Ali, que percorreu dez cidades americanas falando na mídia, em universidades e livrarias, para o lançamento de Confronto de Fundamentalismos. “Pessoas brancas reagiam me dizendo:

‘Obrigado por dizer isso. É algo que já vínhamos pensando, mas tínhamos medo de falar.” Sua maior audiência foram 100 mil manifestantes num protesto em Washington, dia 20, contra a política externa americana e em favor dos palestinos.

“A percepção dos americanos está mudando, a não ser que haja novo ataque contra os Estados Unidos”, estima o escritor. Mas Ali não está otimista. Ele acha que os bombardeios americanos no Afeganistão forneceram enorme combustível para o radicalismo islâmico, envolvendo o mundo num círculo diabólico de agressões e vinganças.

Tudo bem, mas, será que alguém nos sapatos do presidente americano, diante do golpe desferido dia 11 de setembro, e com seu poder quase ilimitado de vingança, teria reagido de outra maneira? Ali, militante de esquerda de 58 anos, editor da New Left Review, da Inglaterra, que não vê diferença entre Tony Blair e Margaret Thatcher, acha que sim.

Ele lembra o atentado perpetrado pelo Exército Republicano Irlandês (IRA) contra o Grande Hotel de Brighton, onde estava reunida a cúpula do Partido Conservador, em 1984. Cinco pessoas morreram e 34 ficaram feridas, mas os dirigentes do partido, que então governava o país, salvaram-se. O governo de Margaret Thatcher, lembra Ali, reagiu iniciando negociações secretas com o braço político do IRA.

Tariq Ali sabe que as dimensões dos dois ataques são diferentes e talvez seu exemplo sirva mais para demonstrar que o que aconteceu no dia 11 de setembro é algo incomparável do que para qualquer outra coisa.

Revolvendo as raízes da história recente, no entanto, o escritor lembra que al-Qaeda e o regime Taleban foram criações da Arábia Saudita e do Paquistão, aliados dos Estados Unidos, como resultado das táticas americanas para acossar os russos, que ocuparam o Afeganistão entre 1979 e 1989, e de exercer influência sobre a região. Sem uma revisão da política intervencionista americana para essa e outras regiões, não há por que acreditar que os conflitos arrefecerão.

“Se você examinar cuidadosamente o desempenho dos Estados Unidos como potência imperial, na perseguição de seus interesses estratégicos, políticos, econômicos e militares numa escala global, eles têm operado da mesma maneira intransigente e dogmática que qualquer fundamentalismo religioso”, diz Ali. “Nos últimos cem anos e mesmo antes, eles têm bombardeado países, derrubado governos, feito o que querem… O perigo real não está no fundamentalismo religioso, mas no modo de agir dos Estados Unidos.”

Para Ali, o que aconteceu no Afeganistão nos últimos meses comprova o enfoque equivocado dos Estados Unidos em sua “guerra contra o terror”. O único dirigente detido durante a campanha foi Abu Zobeda, número 3 da hierarquia do Taleban. Ele foi pego pelo “método convencional”: numa ação da polícia paquistanesa. “Os taleban e al-Qaeda não reagiram aos ataques americanos simplesmente porque não podiam reagir”, argumenta ele, para sugerir a insanidade contida no ato de mobilizar um aparato de guerra daquela envergadura. Foi uma ação destinada, não a conter o terror, mas a estender o domínio americano, acha Ali.

Pode ser. Mas é impossível deixar de notar que o radicalismo, o autoritarismo e o atraso têm sido características recorrentes no mundo muçulmano, em si mesmo. Ali concede nesse ponto. “É irônico e trágico que o período de maiores avanços no mundo muçulmano tenham sido os seus 800 primeiros anos”, lamenta o escritor. Ele aponta dois momentos cruciais, nos quais o mundo islâmico se inclinou para a decadência: a expulsão dos muçulmanos – e judeus – da Península Ibérica, nos séculos 15 e 16, e o declínio do Império Otomano, no fim do século 19 e início do 20. Ambos demarcados por dois romances seus, respectivamente: Sombras da Romãzeira e Mulher de Pedra. Mas também escrutinados em Confronto de Fundamentalismos.

“Se o Islã não tivesse sido expulso da Península Ibérica, teria passado por uma reforma”, afirma Ali. “E o Império Otomano chegou a ficar ombro a ombro com a Europa, mas não se modernizou por resistência da cúpula religiosa.”

 

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