Terror não é estratégia, é forma de expressão

Por isso, nunca vence, diz Edward Luttwak, o homem que escolhe os alvos numa guerra

Edward Luttwak não é um atirador como outro qualquer, dos que puxam o gatilho. Ele até já fez isso, e gosta de contar histórias de exercícios de tiros, como um que fez em Bornéu, usando uma antiquada metralhadora resfriada a água, da qual obteve resultados surpreendentemente bons. Mas Luttwak é muito mais que isso. Ele escolhe os alvos numa guerra: suas decisões se multiplicam nas mãos de pilotos, marinheiros e soldados.

Foi assim na Guerra do Golfo, quando ele presidiu a Comissão de Alvos do Pentágono. Na época, desenvolveu a hipótese segundo a qual todo bunker com ar condicionado – algo que qualquer pessoa com dinheiro no Iraque quereria construir para abrigar sua família, diante da guerra iminente nas tórridas areias iraquianas – era potencialmente um laboratório de armas bacteriológicas e, portanto, um alvo. “Era apenas uma hipótese, que só pudemos comprovar depois da guerra”, recorda Luttwak.

Para a atual empreitada, uma das contribuições do conselheiro do Departamento de Defesa dos EUA é a Teoria do Jumento, que consiste no seguinte: toda vez que as câmeras digitais de espionagem mostrarem, em tempo real, uma fila de jumentos serpenteando pelo pedregoso deserto do Afeganistão, devem ser acionados aviões de reconhecimento para efetuar imagens oblíquas, em busca de cavernas e túneis na área, que se convertem em alvos, pois pode se tratar de suprimentos para esconderijos dos inimigos.

Quando transita no plano teórico, Luttwak tem conceitos bacanas, como este, por exemplo: “Guerra, guerrilha, revolução, golpe de Estado, pronunciamento podem levar à vitória. Terrorismo, não, porque não é uma estratégia, mas uma forma de expressão.” Ou: “Não tenho nenhuma maneira educada de dizer o que penso do alerta (do secretário da Justiça, John Ashcroft) para novos ataques terroristas. Isso não se faz. Se você sabe onde e quando e o que vai acontecer, evita. Mas isso é semear o pânico. É típico de quem quer tirar o seu da reta, para depois dizer: ‘Nós avisamos.'” As missões de que tem participado com representantes de outros países lhe rendem histórias boas e insights divertidos: “Estive agora com estrategistas europeus no Paquistão. Os franceses não tinham decidido (se iam entrar na guerra), porque eles nunca decidem, mas mandaram alguém assim mesmo. Já os alemães estavam excitados e felizes. ‘Estivemos antes em alguns lugares onde já nos conheciam e nos odiavam’, disse um alemão com grande senso de humor, referindo-se aos Bálcãs. ‘Aqui é legal porque ninguém nos conhece.'” Quando fala de seus alvos, no entanto, Luttwak se impõe a mais rígida das disciplinas mentais: a da simplificação. “A imprensa, que gosta tanto de escândalos sexuais, não explicou que o motivo por trás dos ataques de 11 de setembro é sexual. Os islamistas, que não têm a oportunidade de fazer sexo, suicidaram-se convencidos de que encontrariam 72 virgens no paraíso, com os nomes deles escritos na testa. Eles fariam sexo com elas e, no dia seguinte, elas amanheceriam virgens de novo”, diz ele, para o deleite da platéia.

Luttwak está bravo com a imprensa. “Ela gosta de mostrar mulheres e crianças mortas pelos bombardeios. Por que não mostra soldados? Lá no Pentágono eu costumo dizer que vou projetar um míssil que acerte só mulheres e crianças, para contentar a imprensa”, sorri, com o peculiar senso de humor de um atirador.

“Os taliban são uns idiotas completos. Passam anos nas madrassas, que não podem ser chamadas de escolas teológicas, repetindo mecanicamente as mesmas frases.” Para esses alvos, no entanto, Luttwak reservou o motivo do desprezo supremo: são maus atiradores. “Eu estava viajando num carro no Afeganistão e eles me atacaram. Estavam usando armas que acertam com precisão a centenas de metros do alvo. Eles estavam a uns 60 metros do carro e não acertaram nenhum tiro”, desdenha.

“Os taliban não conquistaram o Afeganistão. Eles compraram, literalmente.

Chegavam às cidades e ofereciam dinheiro aos que as estavam controlando, em troca da rendição”, contou Luttwak, no auditório lotado da Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap), na quarta-feira, em São Paulo, aonde veio lançar seu novo livro, Turbocapitalismo. Mais tarde, exporia também essas idéias a convidados do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

Um debatedor apresenta uma versão diferente. Acredita que os taliban conquistaram o país, não só no sentido militar, mas também da adesão de muitos afegãos cansados de guerras e atrocidades. “Ok”, retifica Luttwak.

“Mas em Mazar-i-Sharif, eles compraram”, atesta, reduzindo a um negócio a virulenta batalha pela principal cidade do norte do Afeganistão, que em outubro de 1996 uniu usbeques e tajiques contra os taliban, formando o que hoje se chama de Aliança do Norte.

Concentrado em sua missão, Luttwak recusa complexidades e passa por cima de detalhes, mantendo uma distância higiênica de seus alvos. A escolha de um alvo, ensina, é feita por contraste. Por exemplo, um depósito de munição ou laboratório de armas biológicas de concreto armado se diferencia da paisagem e se torna assim facilmente um alvo. “Como no Iraque, onde tivemos a ajuda dos construtores iugoslavos, que nos contaram onde eles tinham economizado cimento.” Já no Afeganistão, “os depósitos de munição consistem de quatro caixas de madeira no quintal de um barraco”. É um problema.

Até os amigos da Aliança do Norte andaram se queixando da má pontaria dos americanos. Nos pedregulhos do Afeganistão, como no mundo real, as coisas às vezes se misturam demais – alvos e lares, inimigos e aliados, culpados e inocentes. Mas os atiradores acabam encontrando seus alvos, de um jeito ou de outro. Afinal, como diz Luttwak, atirar é mais que uma ciência: é uma arte.

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