Um ateu fanático pela história da religião islâmica

O paquistanês Tariq Ali é uma figura exótica em sua própria terra. Num país profundamente religioso, cuja razão de existir – separado da Índia 

O paquistanês Tariq Ali

É o fato de ser povoado majoritariamente por muçulmanos, Ali se declara “ateu desde os 6 anos de idade”. Ao contrário dos tios mais próximos, seus pais não eram religiosos, mas, mesmo assim, acharam por bem fazer com que o pequeno Tariq lesse o Alcorão. Sem êxito.

“Deus nunca me pareceu algo importante”, explicou Ali na quarta-feira, na redação do Estado, que veio visitar durante estada em São Paulo, para o lançamento de seu novo livro, Confronto de Fundamentalismos – Cruzadas, Jihads e Modernidade, pela Editora Record. “Quando eu era criança, me diziam que, se eu fizesse isso ou aquilo, Deus me castigaria. Eu fazia, e não acontecia nada. Concluí que ele não existia.”

Os paquistaneses em geral são alfabetizados em árabe – cujos caracteres são usados para a escrita no país – lendo o Alcorão nas madrassas, as escolas religiosas, antes de ingressar nos colégios, por volta dos 7 anos de idade.

Não foi o caso de Ali, filho da elite local, educado por tutores em sua cidade natal, Lahore.

“Só fui ler o Alcorão de cabo a rabo há uns 10 ou 15 anos, e já com olhar de historiador.” Esta é outra particularidade do escritor, que vive em Londres desde 1961: embora não acredite na existência de Deus, a religião é tema central tanto nos seus romances quanto nos seus ensaios políticos. Nos romances, as histórias do Islã e dos personagens fazem o elo entre ficção e realidade.

Seus quatro romances, também publicados pela Record no Brasil, desenrolam-se em momentos cruciais para o destino da civilização islâmica. Sombras da Romãzeira, o primeiro deles, é ambientado no período da expulsão dos muçulmanos e judeus da Península Ibérica, entre os séculos 15 e 16. Mulher de Pedra, o último, conta a história de uma família influente na corte otomana, durante o declínio final do império, na virada para o século 20.

Em Confronto de Fundamentalismos – cuja primeira palavra, “clash”, ficaria mais bem traduzida por “choque”, já que é uma alusão ao Choque de Civilizações, Clash of Civilizations, de Samuel Huntington -, Tariq Ali lança mão da história das religiões para trocar os sinais na equação culpados/inocentes. E repor a cruzada como iniciativa do Ocidente e de sua potência máxima, os Estados Unidos, e a “guerra santa” islâmica como reação a ela.

Se a guerra santa é hoje um termo associado ao islamismo, Ali lembra que ela foi deflagrada pelos cristãos na Primeira Cruzada, no século 12, quando eles partiram da Europa para a reconquista de Jerusalém. “Saladino, o líder curdo que uniu os árabes para tomar Jerusalém de volta, estava sempre dizendo a eles: ‘Olhem para os cristãos. Eles sabem fazer a guerra santa. Somos incapazes até de nos unirmos. Aprendam alguma coisa com eles.'” Eles aprenderam. “Jihad”, conceito vago do Alcorão que pode ser traduzido como esforço em favor da religião, ganhou a tradução de “guerra santa”. A captura da palavra deu aos radicais islâmicos a presunção do protagonismo na nova cruzada inaugurada pelo 11 de setembro. É esse mal-entendido que Tariq Ali quer desfazer.

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