9 entregas. Por 12 horas, a carreta inferniza tráfego

O relógio marcava 7h35 de segunda-feira, quando a carreta entrou na Marginal Tietê, vindo da Rodovia Castelo Branco, depois de vencer a parede de caminhões que se forma na alça de acesso naquele horário.

“Hoje não vamos pegar trânsito nenhum, só porque vocês estão com a gente”, ironiza Reginaldo de Oliveira, olhando a marginal à frente relativamente livre, de dentro da espaçosa cabine dividida com o “chapa” Romildo dos Santos, o aprendiz de caminhoneiro Tiago Baldessar e o repórter do Estado. 

De fato, Reginaldo e Romildo já tiveram jornadas piores. “Hoje foi um dia de sorte”, concluiria Romildo 12 horas mais tarde, depois de percorrer 140 quilômetros, em nove entregas pela zona norte de São Paulo, e voltar à Castelo Branco, cruzando de volta pela Marginal. “Fizemos tudo rápido.”

Romildo, 22 anos, está nisso há sete, sempre pela mesma transportadora. Com uma diária de R$ 70, o rapaz negro, morador do Jardim Pinheirinho, à beira da Rodovia Régis Bittencourt, que estuda para ser eletricista enrolador de motores, é quem guia o motorista catarinense pelas ruas e avenidas de São Paulo, além de conferir as entregas e descarregar as caixas. “Às vezes a gente se perde também”, sorri, enquanto estuda o maço de notas fiscais. “Fica na faixa da direita, se não você tranca a da esquerda”, vai instruindo.

Tiago, o aprendiz de 18 anos, filho de um colega de Reginaldo, acha que os R$ 1.800 líquidos por mês que os motoristas tiram não é muito, mas não se importa: “Eu é porque gosto de viajar. Não estou me importando com salário”, conta ele, enquanto ajuda a descarregar as caixas. As entregas do dia variam de 2 caixas a 96. Para amanhã ficará uma entrega grande, de 856 caixas. O caminhão passa na porta da empresa, na Marginal Tietê, mas seu sistema é “just in time”, e a descarga tem de ser no dia e hora marcados. Isso é comum: grandes empresas evitam custos com estoques escolhendo o momento da entrega, e muitas vezes fazendo os caminhões darem mais voltas por São Paulo.

Na Rua Coronel Marcílio Franco, no Parque Isolina Mazzei, Reginaldo estaciona sobre a calçada estreita, tapando um ponto de ônibus e deixando a rua de duas mãos com apenas uma pista livre, na qual os carros se revezam. A área de carga e descarga da distribuidora fica noutra rua, explica o dono, Lúcio Araújo, mas o caminhão é grande demais para entrar nela. “Outro dia, ligou uma mulher dizendo que estava atrapalhando o trânsito”, conta Araújo, olhando para uma grávida esperando o ônibus detrás do caminhão. “Mas não posso fazer nada.” Um pedestre se esgueira na calçada entre o caminhão e o muro: “Dá licença?” Um policial passa de moto e ignora a cena. “Se ele visse, multava”, testemunha Araújo.

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