A cidade vista com o olhar de Barcelona

Responsável pela despoluição visual da cidade espanhola passeia por SP 

 

O economista Ferran Ferrer ficou 15 anos (de 1985 a 2000) à frente de uma campanha de despoluição visual da prefeitura de Barcelona. No mês passado, Ferrer esteve pela primeira vez em São Paulo. Ele aceitou um convite do Estado para dar uma volta no centro, e falar sobre o que via. O resultado foi uma mescla de impressões boas e ruins, permeada por uma constatação simples: nem tudo seria tão complicado de resolver, se houvesse um pouco mais de atenção e bom senso.

Uma das primeiras coisas que chamaram a atenção de Ferrer foi a fachada toda preta de uma loja, incluindo as paredes e a porta de aço. “Esse negócio de fazer o que se quer está proibido em Barcelona”, comentou o economista. “Cor é um dos elementos de comunicação mais importantes. Deve haver um código das cores que funcionem na cidade.” Na Rua dos Timbiras, na “ex-Cracolândia”, existe um conjunto de quatro lojas cujos donos tiveram a idéia de pintar as pedras que revestem as fachadas. Cada uma de uma cor. Há pedras prateadas, pretas, azuis e amarelas.

Ao caminhar pelo centro, uma outra coisa que prende a atenção de olhos forasteiros é a quantidade impressionante de pessoas – 4 mil, segundo a Subprefeitura da Sé – vendendo coisas. Ferrer não é um fundamentalista. Não acha que não possa haver vendedores com barracas em lugar algum. “Sendo algo típico, e com estrutura”, pode ter a sua graça. Não é o caso de camelôs que vendem seus artigos sobre panos estendidos no chão, caixotes ou mesas dobráveis, prontos para fugir da polícia. “Barcelona se colocou muito séria contra os ambulantes”, diz ele.

Chegamos à Praça do Patriarca, e Ferrer parou para admirar o edifício da Prefeitura. “Ele é incrível”, disse, embasbacado com a beleza do prédio. Depois franziu a testa. “Só me incomoda que tenham enganchado nele um cabo do trólebus.”

Descuidos desse tipo proliferam. A Igreja de Santo Antônio, de frente para a praça, ostenta uma antena de TV a cabo. “O que faz uma antena numa igreja?”, questiona o economista.

Do outro lado, o belo Edifício Lutecia, projeto de Ramos de Azevedo de 1942, está dividido ao meio: metade tem a parede pintada de bege, e os relevos, de vinho; a outra metade, toda cinza. “Precisava pôr os dois proprietários de acordo”, sugere Ferrer.

À direita, há algo mais gritante: o enorme letreiro de um sindicato e a propaganda de uma financeira cobrem parte da fachada de um edifício. “Inadmissível”, resume o espanhol. À esquerda, outro edifício antigo está crivado de aparelhos de ar-condicionado, de modelos e alturas diferentes. “Poderiam se pôr de acordo e colocar uma torre de refrigeração central”, observa.

Pelas ruas do centro, exemplos de liberalidade no uso de letreiros, banners, faixas, placas e cartazes vão se acumulando, tampando fachadas de edifícios elegantes e criando um caos visual. Em Barcelona, a prefeitura deu prazo de cinco anos para as lojas e escritórios criarem logotipos e letreiros que não agredissem as fachadas. A cada ano que as empresas cumprissem a exigência antes do prazo, recebiam mais incentivos fiscais. “É preciso ser flexível com essas coisas”, diz Ferrer. No sexto ano, os funcionários foram retirar o que continuava em desacordo.

Na esquina das Ruas Quintino Bocaiúva e Direita, o belo edifício da Rádio Record, de 1910, está se decompondo. Ferrer lembra que, por causa da campanha de incentivos da prefeitura, formaram-se em Barcelona 2 mil empresas de restauração – todo um setor econômico novo, que incluiu colégios para formar especialistas em vitrais, por exemplo.

Mais adiante, um novo choque. Um mural de pastilhas de Di Cavalcanti, no Edifício Triângulo, no número 24 da Rua José Bonifácio, também está se desfazendo. O responsável pela conservação do prédio, assinado por Oscar Niemeyer, achou por bem substituir as pastilhas de cores branca e azul, que formavam o desenho, por pastilhas de cor gelo, indiscriminadamente, ignorando o traçado do artista. Na frente do mural, um vaso com uma palmeira completa a sensação de que as pessoas do lugar não percebem o que há naquela parede.

O descaso com Niemeyer é um assunto à parte, para Ferrer, que se impressiona com a forma como o Edifício Copan “flutua sendo uma massa tão grande, e ainda assim está integrado aos outros”. São Paulo, diz o catalão, deveria ter um catálogo de todas as obras de Niemeyer na cidade, transformando seus prédios num roteiro de visitas. “É preciso fazer um pouco de marketing.”

“Eu começaria pelas coisas mais simples”, recomenda Ferrer. “Mas tudo o que se possa fazer só terá sentido se as pessoas se importarem. Se ninguém olhar, não vale a pena fazer nada.”

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