A costureira e o cobrador

Cleusa gostava do Penha-Vila Mariana das 6h20 porque o motorista era rápido. Mas foi o cobrador Avelino quem conquistou seu coração

 Depois de quatro anos de serviços braçais na construção civil, Avelino Gonçalves do Nascimento, então com 26 anos, resolveu, em 1966, procurar algo melhor. Foi a uma agência de empregos do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Pagou “uma coisinha pouca” e uma mulher da agência o levou de carro até a Viação Urbana Penha, onde Avelino foi admitido como cobrador de ônibus.

Avelino, nascido em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, foi trabalhar na importante linha Penha-Vila Mariana. “Não era qualquer pessoa que trabalhava nessa linha”, orgulha-se Avelino, hoje com 63 anos. “Era só pessoa gabaritada.”

Em 1968, o cobrador Avelino começou a prestar atenção numa moça que subia no ônibus às 6h20, num ponto da Avenida Cangaíba, na zona leste. Cleusa, então com 17 anos, tomava o Penha-Vila Mariana até o Largo da Concórdia, no Brás, onde trabalhava de costureira numa confecção da Rua Santa Rita. A moça, que acordava no limite do horário, gostava de pegar o ônibus de Avelino por causa do motorista, Adriano, que andava rápido e chegava à Concórdia a tempo de ela entrar no serviço, às 7 horas. “Num instantinho, estava lá.”

Mas, enquanto Adriano se concentrava no volante, era Avelino que batia papo com a moça. Nessa época, não havia catraca, e o cobrador andava pelo ônibus, cobrando dos passageiros. A paquera durou uns cinco meses, até que Avelino, impecável no seu terno cáqui, criou coragem e propôs um encontro. “Fui atrás dela na Rua Antônio de Barros, no Tatuapé”, lembra Avelino. “Conversei com ela um pouquinho e perguntei: ‘Dá para encontrar amanhã?’ Ela aceitou.”

O segundo encontro já foi na Avenida Cangaíba, perto da casa de Cleusa. Ela explicou que não podiam ficar ali, na rua. Era órfã de pai, mas seus irmãos eram “bravos”. Se quisesse ficar com ela, Avelino teria de ir até sua casa.

Lá foi Avelino conversar com os irmãos de Cleusa. Quando chegou na casa, reconheceu um deles, que era motorista na mesma empresa que ele. Tudo ficou mais fácil, e os dois finalmente começaram a namorar. Avelino, no entanto, só queria se casar depois que passasse a motorista, com um salário melhor. “Só quando os postes forem de borracha”, duvidava Cleusa.

Avelino levou três anos para ser promovido. Mas Cleusa não desperdiçou o tempo de namoro. “Esses três anos foram para eu segui-lo.” Quando saía do serviço, às 5 da tarde, Cleusa esperava Avelino passar e pegava o ônibus de trás, para ir “vigiando” o namorado, sem que ele percebesse. “Eu tinha que me cuidar. Casar com homem muito paquerador, cachorro vira-lata, é horrível”, explica Cleusa, hoje com 52 anos.

Avelino passou no teste. “Nunca levei chifre, nem mesmo depois que ele virou motorista, quando a atenção dobrou, porque a mulherada é sempre maria-gasolina”, sorri Cleusa. Na semana do casamento, em 1971, compraram um terreno num loteamento de Cocaia, em Guarulhos, onde construíram três cômodos. Moram até hoje no mesmo lugar, que virou um sobrado.

Avelino continuou na linha Penha-Vila Mariana até 1984. Quando a empresa o tirou de lá, os passageiros fizeram abaixo-assinado para que ele ficasse, mas não deu jeito. Agora, não tem mais linha fixa. E prefere assim. “É melhor, porque a gente conhece lugares diferentes”, diz ele. “Ficar numa linha só é cansativo, por causa da rotina.”

Em todos esses anos, Avelino conta que nunca teve um incidente, uma discussão sequer com passageiro. O único acidente de trânsito em que se envolveu foi com um ônibus que bateu atrás dele, quando Avelino parou no sinal amarelo. Por seu currículo irretocável, Avelino ficou em terceiro lugar num prêmio nacional de motorista padrão, em 1997.

“As coisas mudaram muito”, reconhece Avelino, lembrando do tempo em que a Celso Garcia era uma rua de paralelepípedo, em que os ônibus disputavam espaço com os bondes. Ele sente saudade da época em que os motoristas trabalhavam de terno, gravata e quepe marrom, camisa branca e sapato preto. “Agora, tem motorista até de chinelo”, espanta-se. “Acho uma falta de respeito.”

Seu filho de 21 anos trabalha no escritório do Consórcio Plus, que adquiriu a Viação Penha. Avelino se aposentou em 1993, mas continua trabalhando como motorista na mesma empresa. “Enquanto me quiserem, estou querendo.”

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