E a cidade cresceu seguindo os trilhos dos bondes

No início puxados a burro, avançaram por São Paulo e a cidade foi brotando atrás deles

 Quando os primeiros bondes puxados a burro surgiram em São Paulo, em 1872, a cidade era pouco mais que o triângulo desenhado pelas Ruas São Bento, Direita e 15 de Novembro. Seus limites exteriores eram riscados pelas Pontes do Tamanduateí e do Anhangabaú. Fora daí, o que havia eram vilarejos precariamente ligados ao centro, por cavalos e carruagens particulares, algumas fazendo as vezes de táxis.

“O bonde expandiu a cidade para lugares mais baratos”, explica Waldemar Corrêa Stiel, de 82 anos, historiador e aficionado dos bondes, com três livros publicados sobre transporte público. O bonde – sobretudo o elétrico, que em 1900 acendeu na cidade a faísca da modernidade – multiplicou esse efeito, autorizando São Paulo a crescer.

Os trilhos do bonde seguiam o traçado definido pelo preço que os proprietários de terrenos pagavam à Light, para que trouxesse o transporte e, com ele, a valorização dos empreendimentos. Assim, a Companhia City pagou à Light para trazer o bonde à Cidade Jardim, hoje região elegante da cidade, e o Frigorífico Armour, para estender a linha até a Vila Anastácio, onde hoje começa a Rodovia Anhangüera.

A vida de Stiel, assim como a de São Paulo, foi profundamente marcada pelo bonde. Nascido em 1921, ele passou a infância em Santo Amaro, então um município independente, na verdade um vilarejo ao redor da Igreja do Largo 13 de Maio, hoje zona sul de São Paulo.

A região foi ligada a São Paulo por um bonde que percorria as Avenidas Ibirapuera e Vereador José Diniz, construídas pela Light em 1913 só para ele. Em seu corredor exclusivo, o bonde atingia 80 quilômetros por hora, cobrindo em 45 minutos o trajeto do Largo 13 de Maio até a Praça da Sé.

Augusto Stiel, pai de Waldemar, ia nesse bonde para o escritório da Light – onde trabalhou de 1899 a 1950 -, na Praça Antônio Prado. Ali, onde foi chefe da Seção de Instalações, Augusto costumava acertar o relógio pelo apito do bonde, que saía da Sé pontualmente a cada 45 minutos.

Aos 9 anos, o menino Waldemar foi morar com a família na Rua Vergueiro, perto da Praça Teodoro de Carvalho (zona sul), onde ficava uma das três garagens de bonde da cidade – as outras duas eram no Brás (zona leste) e na Alameda Glete (centro). Dali, em 15 minutos, o bonde os deixava no centro.

A família Stiel se mudou depois para a Rua Maria Antônia (região central), onde a cada 15 minutos passavam os bondes da linha circular de Santa Cecília – três num sentido, três no outro. Ali, já com 15 anos, Waldemar desenvolveu o hobby de anotar números e horários de bondes, firmando sua definitiva paixão por eles.

Para os garotos da época, incluindo Waldemar, andar de bonde era uma aventura. Eles gostavam de subir e descer com o bonde em movimento e, mesmo que houvesse assentos disponíveis, viajavam no estribo, desviando-se dos “finos” que o motorneiro dava nos veículos estacionados nas ruas por onde o bonde passava.

Thereza, de 73 anos, mulher de Stiel, também é uma entusiasta dos bondes. O casal foi morar no Campo Belo (zona sul) e Thereza ia de bonde para a Secretaria de Obras, na Rua Riachuelo (centro), onde trabalhava. Pedro, o motorneiro, era seu conhecido. No ponto, Thereza encontrava-se com quatro funcionárias do Tribunal de Justiça, e iam conversando no bonde, silencioso e sempre com um assento disponível – se lotado, um cavalheiro cedia o lugar. “Era uma delícia”, diz Thereza. “Só quem viveu mesmo é que sabe.”

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