‘Nova Luz’, entre sonho e incerteza

Solução radical para problema crônico, desapropriação cria esperanças, mas também aflige donos de imóveis

 

Raimundo Soares Matos chegou da Bahia em 8 de março de 1970. Começou como ajudante de cozinha. Cresceu com o milagre econômico. Hoje, é dono de vários imóveis na cidade de São Paulo. “Gosto de comprar coisas velhas.” Seu favorito é um sobrado na esquina das Ruas do Triunfo e General Osório – no coração do que se convencionou chamar Cracolândia.
 
Em meio à paisagem ainda lúgubre, apesar das mudanças que vêm ocorrendo na área, o prédio de Raimundo, comprado em 1989, destaca-se dos outros pelo primor com que as paredes estão pintadas de amarelo, com detalhes brancos, assim como as 17 janelas venezianas, 2 portas-balcão e grades de ferro fundido vermelhas. As cores – e o desejo de restaurar e manter seu prédio bonito – saíram da cabeça dele.
 
“São Paulo merece; tem tanta beleza”, elogia Raimundo. “A gente que veio de Xique-Xique – terra de Antonio Conselheiro –, quando vê uma sombra, fica alegre.” Inicialmente, o prédio era uma hospedaria para sacoleiros, com 18 quartos, e um bar no térreo. A deterioração da Cracolândia levou Raimundo a fechar a pensão em 1995 e o bar em 2000. “Pensei em vender, mas você sabe, todo baiano não tem juízo.”
 
O bar e restaurante – que vive lotado – foi reaberto em 2003 e o andar de cima, alugado para a Secretaria da Cultura do Estado, que instalou ali o Ateliê Amarelo, para oficinas de pintura. “Estou animado com a Nova Luz”, diz Raimundo, referindo-se à iniciativa de revitalização da área. “Vamos respeitar o trabalho que a Prefeitura e o Estado fizeram. Mas o pessoal não sai daí”, completou, apontando para os viciados que perambulam pelo quadrilátero, ainda que em bem menor número.
 
O Ateliê Amarelo é um dos poucos colírios para os olhos de quem decide desbravar a “ex-Cracolândia”. Não que todos os seus edifícios sejam feios. Ao contrário. Eles estão apenas há décadas abandonados à ação do tempo e da fuligem. Ao ver aquilo sob sua responsabilidade, é impossível condenar a reação do subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, que antes despachava no Palazzo Pamphili, sede da Embaixada do Brasil em Roma, de frente para a Piazza Navona: “Derrubem.”
 
Depois de lacrar hotéis destinados ao tráfico de drogas e à prostituição, fechar ferros-velhos que recebiam fios, cabos, tampas de bueiros e canos roubados, interditar cozinhas clandestinas, prender bandidos e encaminhar viciados em drogas a instituições especializadas, em conjunto com órgãos do Estado, a Prefeitura prepara a desapropriação dos 150 mil m² da “ex-Cracolândia”, que deve sair dentro de uma semana.
 
A idéia não é demolir tudo. “Alguns prédios têm valor”, reconhece Matarazzo. A subprefeitura e a Secretaria de Serviços – que ele acumula – se transferirão da Avenida do Estado para dois quarteirões entre as Ruas dos Gusmões, Protestantes e Couto Magalhães, que virão abaixo para dar lugar a predinhos modernos, embora não destoantes do conjunto.
 
A desapropriação – processo que deve levar um ano e meio – aflige proprietários que, paradoxalmente, começaram a investir na região justamente por causa das ações do poder público. O subprefeito admite que a questão o preocupa. Em suas freqüentes visitas ao local, ele é abordado pelos comerciantes. “Gastei R$ 400 mil aqui”, diz Adair Pereira, dono de um posto na esquina da Gusmões com a Mauá. “Se for desapropriado, estou frito.”
 
Segundo Matarazzo, todos os investimentos serão indenizados. A idéia é custear desapropriações com investimentos privados em edifícios comerciais e residenciais, atraídos por incentivos fiscais.

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