O dia em que Higienópolis parou

No único ataque durante o dia, carro da DAS é metralhado; helicópteros fazem bairro parecer campo de batalha

 

Normalmente um bairro pulsante, porém relativamente tranqüilo e seguro, Higienópolis estava ontem irreconhecível. No único ataque grave à Polícia civil durante o dia, três homens num Vectra dispararam cinco tiros contra um carro da Divisão Anti-Seqüestro, uma tropa de elite. O ataque ocorreu às 12h30, quando dois investigadores estacionaram sua Blazer na Rua Maranhão, para entregar uma intimação.
 
Os tiros acertaram a lateral esquerda da Blazer da polícia, mas não atingiram os agentes. Em seguida ao ataque, três helicópteros da polícia passaram a sobrevoar a região, enquanto viaturas aceleravam na contramão na Avenida Higienópolis e imediações, na caça aos bandidos. O bairro de arquitetura antiga e jardins bucólicos ganhou feições de campo de batalha.
 
Diante do cenário, muitos pais que vinham trazer seus filhos aos tradicionais Colégios Nossa Senhora de Sion e Rio Branco, quase de frente um para o outro na avenida, nem pararam o carro, saindo às pressas dali. Conforme a sensação de insegurança se disseminou, muitas lojas foram fechando as portas no decorrer da tarde, incluindo todo o Shopping Pátio Higienópolis, um dos mais elegantes de São Paulo. Também algumas escolas tradicionais, como o colégio e universidade Mackenzie e o Sion suspenderam as suas aulas.
 
O Sion antecipou em duas horas o encerramento das aulas de recuperação, interrompeu ao meio o turno da tarde e suspendeu atividades de teatro e treino esportivo. “A professora disse que é porque quem viu na TV já sabe, que teve ataque e por isso está suspendendo as aulas”, contou Antonia, de 6 anos. “Todos ficaram contentes. Ninguém ficou com medo.”
 
Já o seu pai, o contador José Dagmar, estava apreensivo. Quando os prédios em torno do escritório de advocacia onde trabalha, na Avenida Paulista, começaram a ser esvaziados, ele consultou o site do Sion na internet, e encontrou a informação de que os pais deviam ir buscar os filhos. “Acho que a medida foi até tardia”, disse o contador, enquanto esperava um táxi com a filha na porta do colégio. “Seguraram até onde deu.”
 
Para os alunos que tinham aula de recuperação até as 16 horas, o Sion antecipou a saída para as 14 e forneceu lanche, para que eles só saíssem à rua para ir para casa. “Não ficaram soltos por aí, que era a nossa preocupação”, disse a diretora pedagógica, Maria Cristina Figueiredo. “Aos pais que telefonavam, pedimos que não deixassem os filhos até mais tarde. À noite, tudo parece mais perigoso.” Foram suspensos cursos de crisma e de alfabetização que cônegas da Congregação de Santo Agostinho oferecem a adultos nas dependências do colégio à noite. As aulas continuam suspensas hoje. Às 15 horas, o colégio decidirá se mantém ou não a suspensão.
 
“Recebemos inúmeras ligações de pais, para saber se algo estava acontecendo aqui”, conta Ana Helena Fernandes, coordenadora do período integral. “Estou surpreso”, diz o seu marido, o professor de educação física Tito de Almeida. “Na realidade, tudo começou muito tranqüilo. Agora, todos queremos ir para casa, aguardar. Sabemos que uma hora a poeira vai baixar”, completa o casal, afastando-se com sua filha Ana Clara, de dois anos, que faz o maternal no colégio.
 
O Colégio Rio Branco manteve as aulas de ontem à tarde. “No recreio, apareceu um monte de boatos, de que iam invadir a escola, de que tinha tiroteio lá fora”, conta Cynthia, de 9 anos, aluna da terceira série. “Daí a professora disse: ‘Não dá para acreditar no que não se está vendo.'” Mesmo assim, o pai de Cynthia, o engenheiro químico Gil Raicher, veio buscar a filha. “No meu local de trabalho, havia boatos de que a situação era intranqüila, falaram em tiroteios aqui em Higienópolis, e tomei a iniciativa”, contou Raicher, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas. “Entrei no site do Rio Branco e vi que eles tinham triplicado a segurança. Fiquei tranqüilo, sabia que era só vir buscá-la.”
 
Mais tarde, o Rio Branco rendeu-se às evidências. Numa reunião no meio da tarde, decidiu suspender as aulas de hoje. “Não sabemos o que vai acontecer esta noite. É uma medida de cautela, para preservar nossos alunos”, explicou o diretor da unidade de Higienópolis, Daniel Ferreira Julio. Nova reunião hoje à tarde decidirá se a suspensão continua ou não.
 
Em 30 anos de Sion, Maria Cristina não viveu situação semelhante no colégio. Para ela, o virtual toque de recolher de Higienópolis recorda a invasão da PUC em 1977, comandada pelo coronel Erasmo Dias, para reprimir uma reunião de estudantes. Além de estudar na PUC, Maria Cristina morava perto, e teve de provar isso, para poder andar até sua casa.
 
COLABOROU MARCELO GODOY
 

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