Um trem que pensa que é avião

Ao nascer, o metrô quis dissociar-se do irmão mais velho, desacreditado por anos de abandono

 Para todos os efeitos, o metrô é um trem. No início dos anos 70, ao fim de um longo declínio causado pelo descaso, o abandono e o desinvestimento, o trem tinha uma imagem tão ruim em São Paulo que a Prefeitura, de quem esteve a cargo o metrô inicialmente, decidiu que era preciso dissociá-lo de seu irmão mais velho.

As pesquisas mostravam que os potenciais usuários queriam que o novo meio de transporte fosse tão moderno, rápido e eficiente quanto o avião, e que as estações fossem reluzentes, limpas e futuristas como os aeroportos. E assim foi feito. Em vez de ir recrutar seus operadores entre os maquinistas de trem, como seria natural, o Metrô foi buscá-los na escola de pilotos que a Varig mantinha, em convênio com o Senai.

Nessa época, agosto de 1972, Antonio Aparecido Lazarini já tinha concluído o curso de mecânica de aeronaves e trabalhava à noite. Por um acaso, no entanto, no dia em que os recrutadores do Metrô foram à escola, Lazarini estava por lá. Ele tinha ido fazer um exame na Aeronáutica de dia e, para matar o tempo antes de entrar no trabalho, deu um pulo até a escola, com três colegas.

Na escola, perguntaram se eles queriam fazer o teste para o metrô. Os quatro aceitaram. Do grupo, só um desistiu. Os outros três estão na companhia até hoje. Lazarini começou a trabalhar no Metrô no dia 16 de agosto de 1972, 13 dias depois da chegada do primeiro trem, fabricado pela empresa Mafersa, na Lapa, zona oeste de São Paulo.

Até então, o metrô era sinônimo apenas de transtorno para os moradores de São Paulo, que tinham de se desviar dos buracos cavados ao longo da extensa Linha Norte-Sul, a primeira das quatro existentes hoje. O transporte do primeiro trem foi convertido num grande acontecimento. O Metrô queria dar visibilidade àquele colosso, mandando construir uma carreta especial para transportá-lo por inteiro pela cidade. Os trens seguintes viriam em caminhões comuns, sem tanto alarde.

O início dos testes, dia 6 de setembro de 1972, contou com a presença do presidente Emílio Garrastazu Médici, como parte das comemorações do sesquicentenário da Independência. Havia várias versões do programa, e veículos blindados Urutu cercavam a área, tudo para evitar possíveis atos de sabotagem.

A idéia era que o presidente apertasse um botão e o trem saísse andando, da Estação Jabaquara para a Saúde, na zona sul. Por razões de segurança, no entanto, Médici não desceu até a plataforma. Num palanque montado no pátio, o presidente apertou um botão (de função apenas simbólica), um funcionário fez soar uma campainha, ouvida lá embaixo, e Lazarini botou o trem para andar, em modo manual, a 20 quilômetros por hora.

Nessa fase de testes, o metrô atraía muitos visitantes, entre autoridades nacionais e técnicos e observadores estrangeiros. Em 1973, uma visita em especial marcou Lazarini. Era um grupo de americanos, ciceroneados por um gringo brincalhão, que falava português quase sem sotaque. Tempos depois, Lazarini viu a foto do sujeito na imprensa: era o general Vernon Walters, vice-diretor da CIA entre 1972 e 76, e que antes tinha sido adido militar da embaixada americana em Brasília.

Coqueluche – Quando entrou no Metrô, Lazarini não tinha planos de ficar mais de três meses. Então com 20 anos, o rapaz sonhava em ir morar na Alemanha. Mas acabou encantado com o trabalho: “O prefeito Figueiredo Ferraz estava sempre com a gente, vinham ministros, estrangeiros.

Cada dia era absolutamente diferente do outro. Não havia rotina.”

“O metrô era uma novidade, uma coqueluche”, lembra Lazarini. Boa parte da população não tinha contato nenhum com os trens, que só recentemente, no governo Mário Covas, voltaram a receber investimentos substanciais. A maioria não tinha idéia de como se movia um trem debaixo da terra. E havia atrativos adicionais, como as escadas rolantes, por exemplo. Se em São Paulo toda não devia haver mais de dez dessas escadas, o Metrô começou de uma vez com 80 em suas estações.

A primeira implosão de um prédio no Brasil também foi obra do Metrô, em novembro de 1975, quando veio abaixo o Edifício Mendes Caldeira, na Praça Clóvis Bevilacqua, para dar lugar a um dos acessos da Estação Sé.

O metrô entrou em operação em setembro de 1974. Acidentes, ao longo desses 29 anos, foram poucos. O mais grave ocorreu em outubro de 1999, quando um trem descarrilou perto da Estação Santana, depois que um disco de freio se soltou. Ninguém saiu ferido. Em agosto de 2001, a fuga de corrente num trilho da Estação Barra Funda causou um pequeno incêndio no dormente engraxado, criando uma nuvem de fumaça que provocou a morte de uma mulher que sofria de deficiência respiratória.

Nada que chegasse a comprometer a imagem de eficiência e confiabilidade de que goza o metrô, eleito recentemente o melhor serviço público da cidade de São Paulo pela Associação Nacional dos Transportes Públicos. “O metrô tem sido o grande paradigma de que serviço público não é sinônimo de mau serviço”, constata Lazarini, hoje assistente do gerente de Operações.

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