Aqui, terrorismo é conceito relativo

‘E o que Israel faz com os palestinos, não é terror?’, pergunta um comerciante

 

FOZ DO IGUAÇU – “Se você deixar uma bomba aqui, for embora e ela explodir, isso é terrorismo. Agora, se você se explodir e morrer com os outros, então você não é um terrorista, mas um mártir.” O raciocínio não é de um militante radical islâmico, mas de um respeitado comerciante libanês que vive há décadas na Tríplice Fronteira.

Nas comunidades árabes e muçulmanas de todo o mundo, e a Tríplice Fronteira não é uma exceção, há um forte sentimento de aceitação daquilo que, para o senso comum cartesiano, não passa de terrorismo. A compaixão para com o “mártir”, que sacrifica a vida pela causa, é embalada no ódio aos israelenses: “E o que Israel faz com os palestinos, não é terrorismo?”, perguntou outro comerciante bem-sucedido da região, durante um jantar em Foz do Iguaçu.

“Nunca tive contato com o Hezbollah, mas, pelo que sei, ele resiste contra a ocupação israelense”, disse o presidente da Câmara de Comércio de Ciudad del Este, Aly Abou Saleh. “Se for para condenar esse tipo de coisa, vamos ter que começar condenando a resistência francesa contra a ocupação nazista.”

“Como libanês, sinto orgulho do Hezbollah, por ter expulsado Israel do nosso território”, declara o xeque Taleb Jomha, da mesquita sunita de Foz do Iguaçu. “Acho que isso não é terrorismo”, analisa Jomha, há três anos no Brasil, como enviado do múfti do Líbano, a máxima autoridade sunita do país.

“O mesmo se aplica ao Hamas, que está lutando com os israelenses porque estão no território palestino”, continua o xeque. “Todos os dias, os israelenses bombardeiam casas, matam civis, e ninguém diz que isso é terrorismo.”Jomha nega, no entanto, que haja remessas de dinheiro da comunidade para esses grupos.

“Pelo nosso conhecimento, o Hezbollah é um partido libanês, lutando pela causa do Líbano”, diz Ali Khazan, um libanês xiita há 11 anos no Brasil, que dirige a Escola Libanesa Brasileira, em Foz, com 450 alunos.

A fronteira entre educação religiosa e doutrinação política é tão móvel quanto a que confunde terrorismo e resistência legítima. No início dos anos 90, Ali Khazan e Assaad Ahmad Barakat, o libanês preso em Brasília com pedido de extradição para o Paraguai, costumavam promover acampamentos de fim de semana em chácaras de Foz do Iguaçu, para transmitir aos alunos ensinamentos morais e religiosos.

Fotografias desses eventos, obtidas pelos agentes da Secretaria de Prevenção e Investigação do Terrorismo do Paraguai, mostram que bandeiras do Hezbollah ornavam o ambiente. Um dos participantes desses acampamentos, que está na foto ao lado com jovens de punho em riste, explicou ao Estado que se trata de simpatizantes do Hezbollah festejando o fim da guerra civil no Líbano (1975-91).

O xeque Tareb Khazraji, que segundo os agentes aparece na foto ao lado falando num desses acampamentos, trabalhava até há um mês na mesquita xiita do Brás, na zona leste de São Paulo. Seu pai, Hussein, é membro dos serviços de segurança do Hezbollah, segundo a inteligência paraguaia. Hassan Gharib, presidente da Associação Beneficente Islâmica do Brasil, à qual está filiada a mesquita, informou que Khazraji foi para o seu país, o Irã, e “talvez volte, futuramente”. Ele disse que não sabe se o xeque pertence ao Hezbollah.

O dono da chácara onde foi tirada a foto dos jovens de punho em riste, o comerciante libanês xiita Mohamed Youssef Abdallah, contou que Khazan tinha acabado de chegar à região e lhe pediu a chácara emprestada para levar rapazes na passagem do ano de 1991 para 1992. A idéia era criar um “ambiente saudável”, onde pudessem lhes transmitir ensinamentos sobre religião.

Abdallah não esconde que construiu a mesquita xiita de Ciudad del Este, inaugurada em 1996, e os 19 andares de apartamentos e escritórios sobre ela, com dinheiro enviado por Mohamed Fadlallah, considerado o “líder espiritual” do Hezbollah. De acordo com Abdallah, no entanto, Fadlallah, com quem ele se reúne uma vez por ano no Líbano, “não tem nada a ver com política, é um homem apenas religioso”.

Fadlallah se notabiliza pelos discursos virulentos contra Israel e os Estados Unidos. No enterro do ex-dirigente do Hezbollah Abbas Mussawi, morto pelos israelenses, em fevereiro de 1992, Fadlallah anunciou: “Israel não escapará à vingança.” No mês seguinte, a embaixada israelense em Buenos Aires foi alvo de atentado a bomba.

Criado em 1982, no calor da invasão do Líbano por Israel, o Hezbollah, ou Partido de Deus, foi que introduziu os atentados suicidas, uma inovação na interpretação dos conceitos islâmicos de shahid (mártir) e jihad (esforço em prol de Deus). No ano seguinte, seus carros e caminhões-bomba mataram 60 pessoas na Embaixada dos EUA em Beirute, 241 no quartel-general dos fuzileiros navais americanos e 58 no quartel-general das forças francesas.

 

Ainda nos anos 80, a onda de seqüestros de ocidentais no Líbano, reivindicada por células terroristas desconhecidas, foi atribuída ao Hezbollah. Suas operações mesclam táticas de guerrilha – com disparos de foguetes contra o norte de Israel e emboscadas contra patrulhas israelenses – e atentados a bomba, suicidas ou não. 

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