Caos no Líbano favoreceu seqüestros

Múltiplas células, com agendas e patrocinadores diversos, beneficiam-se de conexões familiares e religiosas

 

Só mesmo o intrincado cenário libanês tornaria possível que pequenos grupos, certamente mal-armados e treinados, se comparados com agentes da CIA, da KGB ou do Mossad, por exemplo, consigam manter reféns americanos e europeus durante anos a fio. Os seqüestradores mudam-se freqüentemente com seus reféns e contam com a ajuda de laços familiares e religiosos, além do caos provocado pela guerra civil, que tomou conta do país de 1975 até o ano passado.

A tomada de reféns serviu a variadas reivindicações, desde a suspensão do apoio dos EUA e da França ao Iraque na guerra contra o Irã (1980-88), passando pela libertação de 400 guerrilheiros árabes presos por Israel e 17 terroristas detidos no Kuwait, até simples pedidos de dinheiro.

Um funcionário da CIA comentou recentemente que, para se localizar refúgios dos seqüestradores, seria necessário manter um agente em cada quarteirão. O máximo que se soube é que os reféns estariam no setor sudoeste de Beirute, um labirinto de ruelas e casebres, ou em localidades no sul do Líbano. Informações vagas demais para se planejar uma operação de resgate.

Os nomes dos grupos que reivindicam seqüestros variam de modo extraordinário: Jihad Islâmica, Jihad Islamica pela Libertação da Palestina, Células do Comando Revolucionário,Organização da Justiça Revolucionária, Células da Luta Armada, Organização Oprimidos da Terra, etc. Houve casos em que uma organização reivindicou a autoria do seqüestro e outra a posterior libertação.

O mais provável é que se tratem dos mesmos grupos apenas mudando de nome. Também é provável que os 12 últimos reféns estejam sob a guarda de grupos comandados pelo Hezbollah (Partido de Deus), que atua no Líbano desde 1982. Essa organização, cujo objetivo central é a transformação do Líbano numa república islâmica, de modelo iraniano, intermedeia o fornecimento de verbas e armas do Irã para esses pequenos grupos.

O Hezbollah, com cerca de 5 mil guerrilheiros e bases no litoral libanês e na cidade de Baalbek, a leste, é integrado por muçulmanos xiitas que, ao lado dos palestinos, formam o grupo mais marginalizado do país. Sua militância ganhou impulso a partir de 1979, quando se cindiu da milícia Amal, pró-Síria, após a queda do xá Reza Pahlev e ascensão do fundamentalismo do aiatolá Khomeini.

O escândalo Irã-Contras, que explodiu em novembro de 1986 a partir de denúncia de uma revista libanesa, gerando uma das maiores crises vividas pela política externa de Ronald Reagan, veio à tona justamente numa tentativa do governo americano de negociar secretamente a libertação de reféns. Pelo menos um deles teria sido solto em função desta operação: o diretor do hospital da Universidade Americana de Beirute, David Jacobsen.

 

Contando com a intermediação de Israel, assessores de Reagan fizeram chegar ao Irã carregamentos de peças de reposição e munição, furando o embargo imposto pelos próprios EUA em 1979, após a queda do xá. A verba obtida na transação foi desviada para ajudar os contras nicaragüenses, furando o congelamento da ajuda decretado na época pelo Congresso americano. Vários assessores próximos de Reagan responderam a processos judiciais por isso.

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