ETA definhou ao perder ‘santuário’ na França

Caso do grupo mostra que fim de apoio de países vizinhos a guerrilheiros e terroristas é crucial para derrotá-los

 

MADRI

A história mostra que um país dificilmente consegue derrotar um grupo guerrilheiro ou terrorista enquanto ele conta com a complacência ou o apoio ostensivo de Estados vizinhos, como fazem a Venezuela e o Equador com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). O exemplo cabal é o progressivo definhamento do grupo separatista Pátria Basca e Liberdade (ETA) depois que deixou de ter a França como santuário. 

Quando a ETA surgiu, em 1959, a Espanha estava sob a ditadura fascista do general Francisco Franco (que durou de 1936 até sua morte, em 1975). Nesse período, a França reconhecia como perseguidos políticos os militantes da ETA, que usavam o território francês como santuário e base para suas operações contra a Espanha. Empresários bascos na Espanha extorquidos pela ETA tinham de atravessar a fronteira e ir pagar as taxas cobradas pelos separatistas nos vilarejos do País Basco francês. De forma semelhante, guerrilheiros colombianos utilizam o lado venezuelano da fronteira para extorquir, seqüestrar e traficar cocaína, sem serem molestados pelas autoridades, como mostrou o Estado em reportagem publicada em dezembro (leia em: Velho Oeste’ do país lembra a Colômbia antes de Uribe).

“Havia um pacto silencioso, pelo qual o governo da França deixava a ETA atuar em seu território, e em troca a ETA não alentava o nacionalismo dos bascos franceses”, disse ao Estado o editor-chefe da agência de notícias Vasco Press, Florencio Domínguez, de Bilbao. O País Basco francês, onde vivem ao redor de 200 mil pessoas, faz parte da reivindicação histórica dos bascos por um Estado unificado.

No processo de democratização, a Constituição de 1978 e o Estatuto da Autonomia, de 1979, garantiram generosos direitos às comunidades da Espanha, como o País Basco, a Catalunha e a Galícia. Os radicais se sentiram ameaçados. Em reação, o fim dos anos 70 ficou conhecido como “anos de chumbo”, pelo intenso recrutamento de militantes e pela onda de atentados mais sangrentos da história do movimento. Entre 1958 e 1977, a ETA matou 75 pessoas; desde então, foram 800 mortos, contabiliza Domínguez. 

No governo de Giscard D’Estaing (1974 a 1981), França e Espanha viveram às turras, assim como ocorre hoje entre Venezuela e Colômbia. Os franceses bloqueavam o ingresso dos espanhóis na Comunidade Européia e havia conflitos comerciais em setores como pesca e agricultura. Os franceses começaram a mudar de atitude no governo do presidente socialista François Mitterrand (1981 a 1995). 

A gota d’água foi o atentado da ETA contra o senador socialista espanhol Enrique Casas, em fevereiro de 1984. Segundo Dominguez, os socialistas franceses se perguntaram: “Como é possível que matem alguém como nós?”

Mitterrand se engajou na intermediação entre a ETA e o governo espanhol, um pouco como fez Hugo Chávez entre agosto e dezembro do ano passado. Entretanto, em setembro de 1984, a ETA esnobou o presidente francês, ao não comparecer numa reunião por ele articulada em Bordéus com um enviado do governo espanhol. No dia seguinte, o governo francês extraditou para a Espanha quatro etarras. Entretanto, diz Domínguez, nos primeiros anos, a colaboração da França foi “tímida”: os franceses resistiam a entregar os etarras à Espanha, e os deportavam para terceiros países: Panamá, Venezuela, República Dominicana, Equador e Togo.

A colaboração se intensificou a partir do governo de coabitação entre Mitterrand e o primeiro-ministro Jacques Chirac, de centro-direita, formado em 1986. A polícia francesa deu início a importantes operações que levaram à prisão de muitos etarras, ao mesmo tempo em que as condenações por suas atividades foram elevadas, na França, de alguns meses de prisão para até dez anos. Como a França tinha poucos policiais especializados em terrorismo – um problema marginal para o país -, começou a fazer vista grossa à entrada de investigadores espanhóis. Essa licença levou à captura, em março de 1992, de toda a cúpula da ETA – os chefes militar, político e de logística -, em Bidart, no País Basco francês.

Formaram-se duas equipes mistas, uma com a Guarda Civil espanhola e o serviço de informações francês, outra com a Polícia Nacional da Espanha e a Polícia Judiciária (equivalente no Brasil à Polícia Civil) da França. A polícia espanhola tem uma sede em Pau, capital dos Pireneus Atlânticos, na França. Um juiz espanhol passou a atuar em Paris e um francês em Madri. Acordo firmado entre os dois países permite a extradição temporária de etarras para a Espanha, onde são julgados, depois voltam à França, cumprem sua pena, e vão de novo para a Espanha, para cumprir a pena espanhola. No âmbito de um acordo de extradição firmado pela União Européia, os processos duram meses, em vez de anos.

Diante da pressão na França, os militantes da ETA se dispersaram pelo mundo, e o grupo se desmobilizou e perdeu força. Hoje, tem cerca de 100 militantes armados, depois de ter chegado a 500 no fim dos anos 70 e início dos 80, estima Dominguez.

“A ETA deixou de ser um problema político, entre governos, e passou a ser um problema técnico, entre policiais”, conclui Dominguez. Para que isso aconteça com as Farc, muita coisa tem de mudar na Venezuela e no Equador.

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