Prisioneiros são cidadãos comuns, escolhidos ao acaso

Nem conversão ao islamismo torna estrangeiros imunes a seqüestros no Líbano

 

Thomas Sutherland voltava de Nova York, depois de três semanas de férias. Era 9 de junho de 1985. Professor do Departamento de Agronomia da Universidade Americana de Beirute, ele embarcou num carro no aeroporto da capital libanesa e foi para casa. Um grupo de homens armados o emboscou, atirando nos pneus de seu carro, que finalmente foi cercado na estrada por dois veículos dos seqüestradores.

É provável que Sutherland, então com 53 anos, tenha sido seqüestrado por engano. No avião em que ele viajou, deveria estar Calvin Plimpton, reitor da universidade, que cancelara a viagem na última hora. Mesmo assim, Sutherland – o sétimo ocidental seqüestrado no Líbano desde 1984 – continua no cativeiro. Sua captura foi reivindicada pela Jihad (Guerra Santa) Islâmica.

Essa casualidade na escolha das vítimas – cidadãos comuns, desde que estrangeiros, de preferência americanos ou europeus – é um traço comum das dezenas de seqüestros registrados nos últimos sete anos na ex-Suíça do Oriente.

A Universidade Americana de Beirute (AUB), na época uma das mais conceituadas instituições de ensino e pesquisa do Oriente Médio, tornou-se alvo preferencial dos seqüestradores – presumivelmente grupos xiitas, ao que parece sob comando do Hezbollah, o Partido de Deus, financiado pelo Irã. Um ano depois, foi a vez do americano convertido ao islamismo Joseph Cicippio, contador da universidade e casado com uma libanesa.

Apesar do policiamento reforçado no campus por causa dos seqüestros, Cicippio foi capturado num prédio da própria universidade, onde morava. Os seqüestradores esperaram a troca de guarda para entrar no local. Dois deles se encarregaram dos guardas, enquanto outros dois dominavam o americano, golpeando-o na cabeça e arrastando-o para fora do compus, onde um quinto seqüestrador aguardava num carro.

A situação se tornou mais dramática em agosto de 1989, quando a organização Justiça Revolucionária ameaçou matar Cicippio caso Israel não libertasse o xeque Ahmed Karim Obeid, seqüestrado uma semana antes por comandos israelenses no sul do Líbano.

Durante vários dias, a morte de Cicippio foi sucessivamente adiada. A televisão americana exibiu um videoteipe enviado pelos seqüestradores, em que Cicippio pedia a “libertação urgente” do xeque. A mensagem terminava com um pedido à mulher: “Nunca se esqueça de mim.” Os seqüestradores, no entanto, acabaram suspendendo as “negociações” e poupando o refém. Obeid continua preso em Israel.

Três dias antes do seqüestro de Cicippio, a 9 de setembro de 1986, Frank Reed, outro americano também convertido ao islamismo e casado com uma libanesa, fora seqüestrado quando saía para almoçar com a família. “Provavelmente me seqüestraram só porque eu era americano”, declarou ele quase quatro anos depois, quando foi libertado pela Organização do Alvorecer Islâmico, até então desconhecida.

Professar o islamismo de fato não é garantia contra os seqüestradores xiitas. Edward Tracy estava em Beirute desde 1976. Tornou-se conhecido na cidade depois de se converter ao islamismo e se dedicar à venda de exemplares do Corão, o livro sagrado dos muçulmanos. Foi seqüestrado em outubro de 86 pela Organização da Justiça Revolucionária.

Mas o mais espetacular talvez tenha sido o seqüestro simultâneo de quatro professores do Colégio da Universidade de Beirute, filiado à AUB. Numa manhã de janeiro de 1987, quatro homens usando fardas de policiais entraram no prédio da universidade, afirmando que tinham sido encarregados de proteger os professores estrangeiros de uma ameaça de seqüestro.

Quando os americanos Alann Steen, Jesse Turner e Robert Polhill e o indiano Mithileswar Singh se apresentaram, os “policiais” sacaram as armas e com elas apontadas para suas barrigas conduziram-nos para um jipe que partiu em alta velocidade.

A notícia de que os EUA deslocavam porta-aviões e outros navios de guerra para o Mediterrâneo Oriental, e planejavam uma operação militar contra as bases dos xiitas no Líbano caso um dos reféns fosse morto, levou a Jihad Islâmica pela Libertação da Palestina (JILP) a divulgar, em janeiro de 87, a foto de Polhill com fuzis apontados para sua cabeça.

 

Se os EUA atacassem, os quatro reféns seriam mortos, assegurava o grupo, desconhecido até a véspera, quando reivindicara o seqüestro múltiplo. Singh acabou sendo libertado em outubro de 88 e Polhill, em abril do ano seguinte, em atendimento a “insistentes pedidos do Irã e da síria”, segundo a JILP. Mas, em muitos outros casos, os seqüestradores cumpriram as ameaças: pelo menos dez reféns foram mortos.

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