Entrega de território irritou militares

BOGOTÁ – O presidente Andrés Pastrana cometeu um grande erro ao dar de mão beijada 42 mil quilômetros quadrados para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

 Quem o afirma não é nenhum oposicionista, mas o mais prestigiado analista militar da Colômbia, o general da reserva Álvaro Valencia Tovar, membro da Comissão de Reforma das Forças Militares, que reúne governo, parlamentares e militares.

“Os guerrilheiros não têm domínio sobre nenhum território, a não ser aquele que o Estado lhes entregou”, ironizou o general, em entrevista ao Estado. “Eles têm uma presença em todas as partes do país, com um potencial de perturbação da ordem, mas não controle efetivo.” Assim, a entrega de território, para o analista, poderia permitir às Farc avançar do estágio de “guerra revolucionária prolongada”, com ações freqüentes, mas isoladas, para o de guerra de guerrilha, com ocupação e controle.

“Teoricamente, o governo pode retomar essa área quando quiser”, diz Tovar. “Mas, na prática, isso seria muito difícil.” As Farc consolidaram rapidamente o domínio sobre o território e passaram a usá-lo como base de operações. Segundo o general, os guerrilheiros estão-se revezando nos ataques fora da zona de distensão. “Voltam, cansados, e são substituídos por outros.”

O analista vê um risco real de divisão da Colômbia, a longo prazo, se não houver reversão do conflito. O Exército de Libertação Nacional, outro grupo guerrilheiro cujas negociações com o governo estãoparalisadas desde o seqüestro de um avião, em abril, e o ataque a uma igreja na periferia de Cali, em maio, propôs no ano passado a cantonização da Colômbia, seguindo o modelo suíço.

As Farc também têm falado numa federação como solução final para o conflito. “As Farc almejam o poder político”, raciocina Tovar. “Mas não têm condições de derrotar o Estado colombiano, como mostrou o êxito daresposta das Forças Armadas à ofensiva guerrilheira da última semana.”

Assim, a guerrilha poderia tentar obter o domínio de uma parte do território. Daí o risco da divisão e daí também a temeridade da iniciativa de Pastrana. De acordo com Tovar, só os líderes guerrilheiros sabem se querem de fato a paz ou se estão-se preparando para nova etapa da guerra.

Como fatores favoráveis ao processo de paz, o analista cita o comprometimento pessoal do presidente; a pressão interna da opinião pública, “cada diamais notável”; as pressões internacionais; e o aumento do poderio militar, revelado na recente contra-ofensiva. Esse aumento, segundo o general, já é o resultado das reformas nas Forças Armadas, iniciadas há menos de um ano, das quais ele próprio é um dos principais mentores.

Mudanças internas aumentaram o moral da tropa. Os comandantes assumiram, por escrito, o compromisso de ir para a reserva, em casos de derrotas. E adotaram o costume de ir comandar pessoalmente as grandes operações. “Antes, quando o Exército tinha reveses, a guerrilha levava muitos prisioneiros”, compara Tovar. “Nos últimos combates, não têm feito nenhum prisioneiro: os soldados combatem até o fim.” Segundo ele, esse é um forte indício de moral alto na tropa.

Além disso, foi aprimorada a coordenação do Exército com a polícia e com a Força Aérea – grande estrela da contra-ofensiva -, e aperfeiçoado o serviço de inteligência, que detectou previamente vários dos ataques guerrilheiros da última semana. De acordo com o general, a guerrilha detém superioridade em armamentos leves, enquanto as Forças Armadas levam vantagem por dispor de 30 helicópteros com metralhadoras e alguns aviões, como os dois chamados de “Fantasmas”, com detectores e visores noturnos.

A ajuda americana de US$ 250 milhões anuais, postulada pela Colômbia, serviria para comprar equipamentos de comunicações e de visão noturna e para modernizar os armamentos leves.

 

Como fatores contrários ao processo de paz, Tovar cita os antecedentes históricos de fracassos em iniciativas como essa; o narcotráfico, “fator econômico muito perturbador”; e “a soberba das Farc de crer que podem chegar ao poder”. Essa soberba, conclui, no entanto, o general, pode ter sido prejudicada na semana que passou.

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