O Brasil e a OCDE

Nós, brasileiros, temos uma tendência a raciocinar como se só existisse o hoje, como se as coisas não tivessem uma história. Isso tem vantagens, do ponto de vista existencial, mas limita drasticamente a nossa capacidade de entender o mundo.

A controvérsia em torno do apoio ou não dos Estados Unidos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um bom exemplo disso. 

No encontro entre Donald Trump e Jair Bolsonaro em março, o presidente americano ofereceu apoio ao pedido de ingresso do Brasil.  Essa semana, a imprensa divulgou uma carta de agosto do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ao secretário-geral da OCDE, o mexicano José Ángel Gurría, endossando a entrada da Argentina e da Romênia no organismo.

A notícia foi usada pelos críticos de Bolsonaro como prova de que um dos resultados do encontro com Trump, anunciado pelo presidente brasileiro, era fajuto. Trump se apressou então a tuitar que mantinha o apoio ao pleito brasileiro.

Qual é o ruído, aqui? O tempo. A Argentina está na frente do Brasil nesse processo. Não por ter fundamentos macroeconômicos ou de governança mais avançados que o Brasil. Todos sabemos que é o contrário. Conquistas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede o governo de gastar mais do que arrecada, estão bem mais consolidadas no Brasil do que na Argentina.

A OCDE examina dezenas de práticas de um país, em todas as áreas, da corrupção ao livre comércio, passando pela educação e o meio ambiente.   O Brasil é o país não-membro da organização que mais adota práticas exigidas por ela, segundo Fabiana Cardoso Martins de Souza, que de 2016 até o ano passado trabalhou na Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil. 

Entretanto, a Argentina iniciou formalmente seu processo de adesão em fevereiro de 2016; o Brasil, em maio de 2017. Além disso, entre o impeachment de Dilma Rousseff, em agosto de 2016, e a eleição de Bolsonaro, em novembro de 2018, as visitas entre funcionários de alto escalão de países importantes e do Brasil foram congeladas.
O vice-presidente americano, Mike Pence, e o ex-secretário de Estado Rex Tillerson visitaram a Colômbia, o Chile e a Argentina, mas não vieram ao Brasil. Isso não tem a ver com achar que o impeachment foi um “golpe”, mas com uma percepção de instabilidade política.

Potências mundiais não gostam de investir em relações e de assumir compromissos com governos que, no dia de amanhã, podem ter caído repentinamente. A Argentina aproveitou esses dois longos anos de isolamento do Brasil para levar adiante o seu pleito.
O processo de adesão à OCDE tem uma série de etapas, e é preciso tempo para cumpri-las. Então, do ponto de vista americano, tudo parece bastante claro: os EUA apoiam a presença do Brasil na fila, mas ela terá de andar no seu ritmo natural. O apoio não é para furar a fila, mas para continuar nela.

Donald Trump e Jair Bolsonaro durante a Assembleia-Geral da ONU. Foto: Alan Santos/PR – 24/9/2019

O Brasil vem participando de comitês da OCDE desde 1996. Com isso, tem tido acesso às discussões sobre o estabelecimento de regras de melhores práticas em todos os setores da gestão pública. Mas como ouvinte, não como membro pleno.
Entrar na OCDE é interessante. É uma espécie de selo de qualidade, que aumenta a atratividade para investimentos. Além de ter uma voz nas definições de boas práticas do organismo, no qual as decisões são tomadas por consenso.

Mas a maior vantagem de ser um membro não está nessas credenciais. Está nas práticas propriamente ditas, que os países precisam adotar, como condição para serem membros.
E aqui chegamos a um aspecto curioso, do ponto de vista ideológico. As correntes que procuraram identificar um desprestígio do Brasil por não receber o endosso imediato dos EUA são as mesmas que resistem às reformas que são condições para que o Brasil possa entrar na OCDE.

O pensamento mágico é algo muito poderoso no Brasil, um país isolado e com pouca familiaridade com o funcionamento do mundo. Um país não pode ser da OCDE e ter pessoas se aposentando com menos de 60 anos, ou manter um regime tributário caótico como o do Brasil, ou ainda proteger a indústria com tarifas alfandegárias exorbitantes e outras políticas que impedem a livre concorrência.

Ou seja, O Brasil tem uma enorme tarefa de casa para fazer, antes de se tornar um membro pleno da OCDE. E o impacto positivo dessas reformas é muito mais importante do que a simples credencial de membro da organização. É muito menos uma questão de “prestígio”, no sentido político ou psicológico da palavra, do que uma questão de gestão. 

Publicado no Estadão. Copyright: O Estado de S. Paulo. Todos os direitos reservados.

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