Um presidente pode fazer muito contra o vírus

Menos de dois meses depois de tomar posse, o presidente Joe Biden mudou a realidade dos Estados Unidos, no que diz respeito ao coronavírus. O número de mortes por dia caiu do recorde de 4.103 no dia 27 de janeiro para 1.386 na quinta-feira. As mortes resultam de contaminações ocorridas três semanas antes.

A primeira autorização de vacina contra a Covid-19 nos EUA foi concedida à Pfizer no dia 11 de dezembro. Uma semana depois, dia 18, foi a vez da Moderna. As duas empresas são americanas, haviam recebido aportes e encomendas da Operação Velocidade Warp e já estavam fabricando vacinas antes da aprovação da FDA, a agência reguladora.

O então presidente Donald Trump prometeu que 20 milhões de doses seriam distribuídas até 31 de dezembro. Foram apenas 5 milhões. Depois de assumir, no dia 20 de janeiro, a equipe Biden passou a primeira semana no governo tentando rastrear fisicamente o que havia acontecido com 20 milhões de doses.

Pelos registros dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), 49 milhões de doses haviam sido distribuídas aos Estados, mas apenas 27 milhões, aplicadas. Dois milhões diziam respeito a um atraso de 72 horas no envio da informação pelos Estados; os outros 20 milhões, a deficiências logísticas.

Do lado da indústria farmacêutica, havia ainda gargalos de insumos e capacidade instalada. Durante a transição, a equipe Biden não tinha tido acesso às informações da força-tarefa da Casa Branca, porque ela própria estava desarticulada, e porque o então presidente Trump e seus auxiliares dificultavam esse acesso.

A equipe de Biden procurou, por canais informais, tomar pé o máximo possível da situação e, depois de assumir, percorrer todos os meandros e obstáculos, para agilizar a chegada das vacinas na ponta, a chamada “última milha”. 

O novo governo incentivou arranjos de produção entre as empresas, como o que levou, por exemplo, a farmacêutica MSD a participar da fabricação da vacina da Janssen (Johnson & Johnson’s). Biden reuniu os CEOs das duas empresas na Casa Branca e selou um acordo, garantindo a encomenda de 100 milhões de doses. 

Só essa iniciativa permitiu ao presidente antecipar a meta de vacinação de todos os americanos adultos em dois meses. Já foram aplicadas 100 milhões de doses.

Mas Biden não atuou apenas no mundo real. Igualmente importante foi a gestão de símbolos e expectativas. Trump se vacinou sigilosamente na Casa Branca, desperdiçando a oportunidade de incentivar os 31% de americanos que ainda se dizem contrários à vacina — a maioria deles, seguidores do ex-presidente. Segundo pesquisa do Pew Research Center, 83% dos democratas já foram ou pretendem ser vacinados, ante 56% dos republicanos.

Em contraste, Biden e sua vice, Kamala Harris, tomaram as duas doses em frente às câmeras. Na pesquisa Pew, a porcentagem de americanos que pretendem se vacinar subiu de 60%, em novembro, para 69%. Na quinta-feira, quando a pandemia completou oficialmente um ano, foi divulgado um vídeo com os ex-presidentes democratas Bill Clinton e Barack Obama e o republicano George Bush se vacinando e pedindo aos americanos para fazerem o mesmo. 

Em todas as suas aparições públicas, Biden usa máscaras, observa o distanciamento social e suplica que os americanos também ajam assim. Se a população ouve mensagens conflitantes dos líderes, escolhe a que parece mais conveniente, não a melhor para ela e para o país. 

Desde quando era candidato, Biden tem sempre passado de previsões mais pessimistas para mais otimistas. Ao assumir, prometeu vacinar 1 milhão de americanos por dia; hoje está vacinando 2,1 milhões. A previsão da volta à normalidade, originalmente para o fim do ano, agora foi antecipada para o 4 de Julho, dia da Independência. 

Não é pouco o que um presidente pode fazer, independentemente do que digam governadores e prefeitos.

* É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

Publicado no Estadão. Copyright: O Estado de S. Paulo. Todos os direitos reservados.

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