Trump e a imigração: uma questão eleitoral

A política de separação de famílias expõe os dilemas de Trump e dos republicanos. Os eleitores tradicionais apoiam mesmo as medidas mais radicais

TRUMP EM EVENTO SOBRE IMIGRAÇÃO, NA SEXTA-FEIRA: o presidente americano continua tentando culpar os democratas e capitalizar o caso em favor dos republicanos nas eleições de metade do mandato | Leah Millis/ Reuters (Leah Millis/ Reuters

Até mesmo para os padrões de Donald Trump, a última semana foi um recorde no quesito mudanças abruptas de posição em busca de uma saída honrosa diante da realidade e da opinião pública. O tema: imigração, há muito um dos mais espinhosos para todo governo americano. Em jogo: as eleições de novembro para toda a Câmara dos Deputados e um terço do Senado.

Com base em reportagens da rede CNN, EXAME elencou 13 posições diferentes adotadas publicamente pelo presidente entre a quinta-feira 14 e a sexta-feira 22, perante o impacto negativo causado pela separação de mais de 2 mil crianças de seus pais e responsáveis, como consequência da nova política de “tolerância zero” do governo. As idas e vindas do presidente poderiam ser parafraseadas assim:

1- Odeio ter que fazer isso; a culpa é dos democratas.

2 – Isso pode ajudar a resolver o problema da imigração.

3 – Os EUA não podem virar um acampamento de imigrantes.

4 – A lei me obriga a agir assim.

5 – A crise de imigração é uma monstruosidade.

6 – Se não separarmos as crianças das famílias, os imigrantes inundarão a fronteira.

7 – Vou assinar um decreto, mas a tolerância zero continua.

8 – Essas crianças estão bem, em ótimas instalações.

9 – As pessoas estão sofrendo e a culpa é dos democratas.

10 – Congressistas, dêem um jeito de aprovar uma lei, não importa qual, que eu sanciono.

11 – A proposta de consenso suprapartidária é boa.

12 – Essas histórias de crianças imigrantes são inventadas.

13 – Republicanos, desistam, não percam o tempo de vocês com isso antes da eleição; eleitores, elejam mais republicanos.

São apenas as principais posições, e as compreensíveis.

Na sexta-feira, o presidente da Câmara, Paul Ryan, continuava seu esforço, que já durava mais de uma semana, de conciliar propostas mais linha-dura e mais moderadas da própria bancada republicana. E o Senado, cuja maioria republicana é insuficiente para aprovar leis, tentava uma solução de consenso entre os dois partidos.

Trump foi então ao Twitter e jogou um balde de água fria nas bancadas de seu próprio partido. “Os republicanos deveriam parar de desperdiçar seu tempo com imigração, até elegermos mais senadores e deputados em novembro”, aconselhou o presidente. “Os democratas estão só jogando. Não têm intenção de fazer nada para resolver esse problema que dura décadas. Podemos aprovar uma ótima legislação depois da onda vermelha”, acrescentou Trump, referindo-se à tradicional cor do Partido Republicano.

Por 231 votos a 193, a Câmara rejeitou na quinta-feira uma proposta do presidente da Comissão de Justiça, o republicano Bob Goodlatte, que previa uma política mais restritiva contra a imigração. Todos os deputados democratas e 41 republicanos votaram contra.

Segundo o jornal The Washington Post, Trump telefonou na própria quinta para Goodlatte, para lhe dizer que apoiava uma solução de consenso entre os republicanos. Na véspera, o presidente havia decretado o fim da separação entre crianças e adultos, ordenando que elas fossem enviadas junto com seus responsáveis para bases militares.

Nas últimas semanas, mais de 2 mil menores, incluindo cerca de 50 brasileiros, foram enviados para abrigos, enquanto aguardam o julgamento de seus pais e responsáveis acusados de entrar ilegalmente nos EUA. Os processos podem levar vários meses até que terminem em deportação, condenação a prisão ou absolvição e até concessão de asilo.

A maior parte desses menores, cerca de 1.500, está acomodada em um antigo supermercado Walmart em Brownsville, no Texas. Nesse complexo, que tem a aparência de uma instituição para menores infratores, eles comem em bandeijões, vestem uniformes, dormem em alojamentos, realizam atividades esportivas e recebem assistência psicológica.

O decreto de Trump não define o destino desses menores que já estão separados de seus pais ou responsáveis. Antes, os estrangeiros acompanhados de menores que tentavam entrar ilegalmente nos EUA respondiam ao processo em liberdade. Durante a campanha, Trump ridicularizou essa prática, chamando-a de “prende-e-solta”.

Na quarta-feira, o presidente, que está realizando comícios visando as eleições de novembro para o Congresso, garantiu que a “tolerância zero” vai continuar. Daí a tentativa de solução de enviá-los para as bases militares, de maneira que as crianças não fiquem em prisões, os adultos não sejam soltos e ambos não estejam separados.

Questão antiga 

Quando o secretário de Justiça, Jeff Sessions, ordenou em abril que todos os adultos flagrados depois de entrar ilegalmente nos EUA fossem presos, e os menores com eles ou desacompanhados, levados para abrigos, a intenção de Trump era culpar os democratas, pela falta de um acordo no Congresso em torno de uma nova lei de imigração. Uma condição imposta pelo governo para que os republicanos apoiem uma nova lei é a inclusão no Orçamento de bilhões de dólares para a construção do muro na fronteira com o México, prometido por Trump na campanha presidencial de 2016.

As cenas de sofrimento das crianças causou imenso mal-estar. A própria mulher de Trump, Melania, e sua filha mais velha, Ivanka, declararam-se contra a medida. Melania depois acabou causando dúvidas sobre sua posição. Na quinta-feira, ela embarcou no avião presidencial rumo a um abrigo de menores no Texas usando uma jaqueta com os dizeres: “Eu na verdade não ligo, você liga?”

Sua porta-voz depois explicou que a jaqueta da marca Zara, comprada por 39 dólares, não tem relação alguma com o caso dos imigrantes, e Trump tuitou que era uma crítica às “notícias falsas” da mídia americana. Sabe-se lá.

O impacto negativo da separação dos menores foi sintetizado em uma capa da revista Time desta semana, uma fotomontagem de uma menina chorando e Trump, gigante diante dela, olhando, indiferente.

Mesmo assim, Trump continua tentando culpar os democratas e capitalizar o caso em favor dos republicanos nas eleições de metade do mandato. “Elejam mais republicanos em novembro e aprovaremos as leis de imigração melhores, mais justas e abrangentes do mundo”, continuou ele nos tuítes da sexta-feira.

“Hoje, temos as mais burras e piores. Os democratas não estão fazendo nada a não ser obstruir. Lembrem-se do slogan deles: resistir! O nosso é produzir.”

O presidente argumentou que a maioria republicana depende do apoio de vários senadores democratas para aprovar leis: “Mesmo que consigamos 100% dos votos republicanos no Senado, precisamos de dez votos democratas para obter uma lei de imigração muito necessária. E os democratas são obstrucionistas que não dão votos, por razões políticas e porque não ligam para os crimes que vêm da fronteira. Então temos de eleger mais republicanos”.

As pesquisas mostram que a maioria dos eleitores republicanos apoia a posição do presidente e continua aprovando seu governo como um todo. Já o mesmo não se pode dizer dos americanos em geral.

Pesquisa do instituto SSRS para a rede CNN mostrou que 67% dos americanos reprovam a separação de crianças de pais e responsáveis detidos, 28% apoiam e 5% não têm opinião a respeito. Entretanto, entre os eleitores republicanos, a aprovação sobe para 58%; entre os democratas, apenas 5% e entre os independentes, 27%. Dos que aprovam o presidente Trump em geral, 62% estão a favor dessa política. Já dos que se autodenominam “conservadores”, 51% a aprovam.

Na mesma pesquisa, realizada entre os dias 14 e 17, a popularidade do presidente caiu ligeiramente. Ele é aprovado por 39%, rejeitado por 54%, e 7% não opinam. Na sondagem anterior, entre os dias 2 e 5 de maio, a aprovação era de 41%, a rejeição, 53%, e 6% não opinaram.

Outra pesquisa, divulgada na segunda-feira 18 pela Universidade Quinnipiac, mostra que 66% dos americanos são contra a separação dos menores, aprovada por apenas 27%. Entre os eleitores independentes, o apoio cai para 24% e a rejeição sobe para 68%. Até mesmo entre os brancos sem diploma universitário, público alvo de Trump, a medida é impopular: 52% deles se opõem e 37% a apoiam.

Os eleitores republicanos são o único grupo majoritariamente a favor: 55%. Esse é o dado que explica o dilema de Trump e dos republicanos: apegar-se a seu eleitorado ou tentar ampliá-lo.

Outra sondagem, feita na semana anterior pela Quinnipiac, uma universidade privada do Estado de Connecticut, mostrou que 76% dos americanos acham que os imigrantes ilegais trazidos para os EUA como crianças devem ter o direito de continuar no país e solicitar a cidadania.

Ou sejam, aprovam o programa Daca, criado por decreto pelo governo de Barack Obama, que contemplou esse grupo, chamado de “dreamers” (sonhadores). Trump não tem se colocado contra esse programa, mas apenas argumenta que ele precisa ser transformado em lei pelo Congresso, para continuar sendo implementado.

O interessante é que 60% dos republicanos têm aquela posição, assim como 74% dos eleitores independentes e 71% dos brancos sem diploma universitário. Mesmo com relação aos imigrantes ilegais em geral, o sentimento é positivo: 60% dos americanos apoiam o direito deles de ficar e entrar com o processo de cidadania, enquanto apenas 26% defendem sua expulsão do país.

De acordo com uma análise feita pelo Centro de Pesquisa Pew, 80% dos congressistas americanos têm a mesma posição que a maioria dos americanos em favor da regularização da situação dos imigrantes ilegais que chegaram quando crianças e contra a expansão do muro na fronteira do México. Apenas 17% das bancadas republicanas estão alinhadas com essas duas posições. O restante está dividido entre várias opções, observa William Galston, pesquisador do Brookings Institution, um centro de estudos de Washington, que se debruçou sobre esses dados.

Se o próprio presidente diz que a bancada republicana no Congresso precisa aumentar, então talvez seja hora de encontrar uma linha de ação um pouco mais atraente.

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