Mesa firma pacto com partidos e permanece na presidência

Congresso aprova ‘acordo social de governabilidade’ e rejeita por unanimidade a renúncia do presidente

 

LA PAZ – O presidente Carlos Mesa firmou ontem com os líderes das bancadas de quase todos os partidos um “pacto social de governabilidade”, contornando a crise aberta por sua renúncia apresentada no domingo. O acordo foi negociado a portas fechadas durante toda a tarde, numa sala do 26.° andar do prédio do Banco Central da Bolívia. Depois do acordo, o Congresso rejeitou por unanimidade o pedido de renúncia de Mesa e aprovou o pacto por maioria. Todos os 130 deputados e 27 senadores estavam presentes à sessão, um fato sem precedentes, segundo o presidente do Senado, Hormando Vaca Díez.

Mesa foi ao Congresso assinar o acordo, depois de sua aprovação, e declarou que a Bolívia havia decidido “resolver com sensatez uma crise institucional na qual o país estava mergulhando numa espiral de intolerância suicida”. O documento estabelece uma pauta mínima de votações no Congresso, com os seguintes pontos: revisão da nova lei sobre a exploração de gás e petróleo, realização de um referendo sobre a autonomia dos Departamentos (equivalentes a Estados), eleições diretas para os nove governadores (atualmente nomeados pelo presidente) e a convocação de uma assembléia constituinte. Mesa ameaçou renunciar em caráter irrevogável se os líderes daa maioria dos congressistas não se comprometessem com essa agenda mínima.

Em princípio, parlamentares do Movimento ao Socialismo anunciaram que firmariam o pacto. Um telefonema de seu líder, o dirigente sindical cocaleiro Evo Morales, os fez voltar atrás. O MAS tem 27 dos 130 deputados e 8 dos 27 senadores. O Movimento Indígena Pachacútec (6 deputados) também não assinou o documento.

O ponto mais sensível da legislação de combustíveis é a cobrança de royalties e de impostos. Líderes populistas como Morales afirmam que as riquezas da Bolívia têm sido “roubadas” pelas multinacionais – incluindo a Petrobrás – que exploram o gás boliviano (e o petróleo, cuja produção é quase residual). Atualmente, as empresas pagam 18% de royalties.

A Câmara aprovou proposta da Comissão de Desenvolvimento Econômico aumentando esse índice para 50%. Mesa considera o patamar insustentável e acredita que ele afugentaria os investimentos estrangeiros. O presidente da Câmara, Mario Cossío, apresentou solução de compromisso, pela qual seriam cobrados 32% de impostos além dos 18% de royalties (Royalties tornariam inviáveis os investimentos brasileiros).

A renúncia de Mesa, no domingo, foi precedida de manifestações em favor da autonomia do Departamento de Santa Cruz, o centro dinâmico da economia boliviana. O presidente pretende criar condições políticas para fazer concessões a Santa Cruz. O documento exorta também todos os setores a agir para pôr fim aos bloqueios de estradas no país.

Um dos principais focos de tensão social é a cidade de El Alto, a 15 quilômetros de La Paz, reduto da Federação de Associações de Bairros (Fejuve, na sigla em espanhol), que promove manifestações contra o governo há quase duas semanas. A Fejuve exige a rescisão imediata do contrato com a empresa de saneamento Águas de Illimani, concessionária em El Alto e La Paz (Preço da água é um dos pivôs da crise).

Ao contrário do clima em outubro de 2003, quando 200 mil manifestantes ocuparam o centro de La Paz para exigir a saída de Sánchez de Lozada, cerca de 3 mil pessoas pediam ontem na Praça Murillo, em frente ao Parlamento e ao palácio presidencial, a rejeição da renúncia de Mesa. A praça amanheceu fortemente vigiada pela polícia de choque, mas não houve incidentes. O Congresso estava protegido por um cordão de isolamento. O povo circulava livremente em frente ao Palácio Quemado, em cuja sacada Mesa apareceu várias vezes desde domingo, embevecido pelas manifestações de apoio popular. Mais de mil pessoas manifestaram apoio ao presidente também em Cochabamba.

“Vim aqui pelo futuro de meus filhos, quero que se respeite a democracia”, disse o mecânico Yuri Muñoz, de 32 anos, que venceu de bicicleta os 500 quilômetros de montanhas que separam Cochabamba de La Paz, saindo de sua cidade às 6h de segunda-feira e chegando à capital às 7h de ontem. “Só volto depois que sair alguma solução positiva”, disse Muñoz, que se juntou a um grupo de 13 pessoas em vigília e greve de fome pela manutenção de Mesa no cargo.

Arturo Espinoza, de 37 anos, que tem uma barraca de lanches, veio protestar contra os bloqueios, greves e marchas convocados freqüentemente por líderes supostamente populares como Evo Morales, da região cocaleira do Chapare, e Abel Mamani, de El Alto, presidente da Fejuve. “Evo diz ser defensor dos pobres, mas não nos representa”, afirmou Espinoza, que ganha cerca de 600 bolivianos (US$ 74) por mês.

Quando há bloqueios de estradas, os camelôs de La Paz não vendem. O camelô diz ter vivido na pele as conseqüências dos distúrbios e da instabilidade no país. Ele trabalhou entre 1985 e 1995 como tintureiro, com salário de 1.200 bolivianos por mês, na confecção chilena Printex, até que a empresa decidiu ir embora da Bolívia, “por falta de segurança”.

Além do desejo de estabilidade e da simpatia por Mesa, há também um sentimento de rejeição ao presidente do Senado, Hormando Vaca Díez, que assumiria em caso de saída do presidente. “Mesa sim, Vaca não”, gritava um grupo. “Ele é identificado com a elite de Santa Cruz e com o MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária)”, explicou o engenheiro Eduardo Trigo, de 32 anos, de terno e com uma bandeira da Bolívia “Não tem uma boa imagem.” Vaca Díez é acusado de ter realizado manobras escusas para obter, em agosto, sua reeleição no Senado. Trigo defende o presidente das críticas de imobilismo: “Não o deixam governar. O Parlamento não representa o povo, só interesses setoriais e regionais.” 


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