Renovar ou não, o dilema eleitoral boliviano

Eleitores vão hoje às urnas com dúvidas se arriscam na renovação ou ficam com o conhecido

 

LA PAZ — Os bolivianos decidem hoje, em eleições para presidente e para o Congresso, se punem os políticos responsabilizados pelos problemas do país, votando em alguém novo; ou se ficam com o que pode não ser perfeito, mas é pelo menos conhecido. Esse é o dilema que envolve a escolha entre os quatro principais candidatos, segundo as pesquisas: o capitão da reserva Manfred Reyes, que lidera as intenções de voto; os ex-presidentes Gonzalo Sánchez de Lozada, segundo colocado, e Jaime Paz Zamora, terceiro; e o líder dos plantadores de coca Evo Morales, em quarto lugar.

“De um lado, há uma forte crítica ao desempenho dos políticos tradicionais, acompanhada da percepção de que a principal causa da crise econômica é a corrupção”, diz José Luis Galvez, diretor do instituto de opinião pública Mori, na Bolívia. “De outro, há um discurso segundo o qual, para sair da crise, é necessário alguém que tenha experiência de governo.”

Para o especialista, a razão do sucesso de Reyes, com 20% das intenções de voto, na pesquisa do Mori, está em ele ter conseguido ficar no meio entre esses dois pólos: eleito prefeito de Cochabamba quatro vezes consecutivas, tem experiência administrativa, mas não se encaixa no perfil dos políticos tradicionais. Seu slogan, “mudança positiva”, reflete esse meio termo entre a manutenção do modo tradicional de fazer política, representada pelos ex-presidentes, e a ruptura do sistema, encarnada por Evo Morales.

Uma coisa é administrar uma cidade de 600 mil habitantes, como Cochabamba, a terceira da Bolívia, e outra é governar um país, ponderam os partidários de Sánchez de Lozada e Paz Zamora. Sánchez (presidente entre 1993 e 97), com 17% na pesquisa, tem a seu favor a mais forte máquina partidária do país, a do Movimento Nacionalista Revolucionário, que, segundo Galvez, detém tradicionalmente um quinto dos votos. Mas pesam sobre ele fortes suspeitas de desvios de dinheiro no processo de privatização, conduzido por seu governo.

Paz Zamora (presidente entre 1989 e 93), com 13% na pesquisa, também explora a imagem do que “sabe fazer” e é considerado pessoalmente mais carismático do que Sánchez de Lozada. O candidato do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), que se moveu para o centro nos últimos anos, tem uma posição ideológica híbrida: critica o chamado modelo neoliberal, mas demonstra disposição de se sujeitar às regras do jogo da economia e da política, propondo um “governo de união nacional”.

Quem veio crescendo nas últimas semanas foi Evo Morales. “Ele começou como um fenômeno muito localizado no Chapare (região cocaleira e indígena), mas com o tempo se tornou um fenômeno de mídia, e tomou corpo nas cidades, entre os extratos médios e baixos”, observa o diretor do Mori. Morales, um líder sindical e indigenista sem muita instrução nem refinamento político, com 12% na pesquisa, conquistou fatias da população educadas e críticas em relação “ao que está aí”.

Segundo a interpretação geral, o líder cocaleiro recebeu na semana passada a ajuda inesperada do embaixador americano em La Paz, Miguel Rocha, que disse que os Estados Unidos suspenderiam a ajuda econômica à Bolívia se ele se elegesse presidente ou viesse a participar de um governo de coalizão.

Galvez tem dúvidas quanto ao efeito eleitoral dessa declaração. “De um lado, a classe média tende a assumir uma atitude de cautela. Ela está muito sacrificada pela crise econômica, e não quer um conflito com o norte”, diz o especialista. De outro, a intromissão de Rocha “poderia motivar um voto de protesto, o que é mais provável”. Entretanto, Galvez não vê de quem Morales poderia tirar votos, já que os outros três principais candidatos (de um total de 11) criticaram a ingerência. “Sendo assim, mantenho o cenário”, conclui o diretor do Mori.

Como nenhum candidato deve obter mais da metade dos votos, caberá ao Congresso eleito hoje escolher entre os dois primeiros colocados, segundo a lei boliviana. E o resultado disso é uma incógnita. Primeiro, porque as pesquisas são muito inconclusivas quanto à eleição dos 27 senadores e 130 deputados. Segundo, porque, com a exceção do Movimento ao Socialismo, de Morales, os outros partidos se mostram bastante abertos à negociação.


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