Incra dá terras e créditos para empresários

De 31 beneficiados em um assentamento, pelo menos 7 têm empresas cadastradas em Brasília

 PRESIDENTE BERNARDO – Situada a apenas 110 quilômetros de Brasília, rodeada por colinas arredondadas e fazendas bem formadas, com um clima mais úmido e fresco que o da capital, a Vereda é o lugar ideal para se ter um sítio. Ainda mais se puder vir de graça, e acompanhado de R$ 19.500 de incentivos do governo.

Miragem? Não para três dezenas de moradores de Brasília, beneficiados com lotes de pelo menos 12 hectares (120 mil metros quadrados) no Assentamento Vereda 2, no município goiano de Padre Bernardo. Dos 154 beneficiários que figuram na relação do Incra, atualizada em maio deste ano, 31 não moram no assentamento, segundo seus vizinhos.

Além desses, pelo menos quatro venderam seus lotes (um por R$ 10 mil, o outro por R$ 2 mil mais um automóvel Fiat Uno novo). Não morar no assentamento e vender ou arrendar o lote são violações da lei que rege a reforma agrária. A fatia de 35 beneficiários que não moram ou venderam seus lotes representa 22% do Vereda 2, um assentamento criado há apenas um ano e nove meses.

Entre os 31 assentados que freqüentam os sítios apenas nos fins de semana, ou mais esporadicamente, sete têm empresas cadastradas na Junta Comercial do Distrito Federal. E já as tinham quando seus lotes foram homologados, em novembro de 2001, como mostram as certidões, obtidas pelo Estado. Três dos endereços indicados nos cadastros da Junta são frios. É comum pessoas abrirem firmas fantasmas em Brasília para ganhar lotes comerciais do governo de Joaquim Roriz. Para isso, bastam fotocópias autenticadas da carteira de identidade e do CPF.

O número de CPF que o assentado Antonio Ximenes Carmo deu ao Incra está no cadastro da Distribuidora Suprema, de seu irmão, Raimundo. Mas atualmente Ximenes é gerente do supermercado Super Maia, no Lago Sul. “Eu venho para cá nessa época do ano, porque a produção não dá para pagar a pensão alimentícia dos meus filhos”, explicou ele ao Estado. “Na época da chuva, a gente se muda para lá.” Ele diz que informou os funcionários do Incra de sua situação.

Segundo os moradores do assentamento, funcionários das administrações regionais do Distrito Federal, um vendedor de carros e outro de botijões de gás, um corretor de seguros, um estudante universitário e até o dono de uma empresa de ônibus clandestinos engrossam a lista dos sitiantes de fim de semana no Vereda 2.

Vários dos nomes da relação de beneficiários do Incra figuram no catálogo telefônico de Brasília. Alguns poderiam ter homônimos, o que é improvável no caso de assentados como Cecília Mitsie Kasegava Suguiura. No caso dos registros da Junta Comercial, o número do CPF prova que se trata das mesmas pessoas.

Mas a superintendência regional do Incra no Distrito Federal, que criou o assentamento, não viu isso. Ou não quis ver. Os candidatos a assentamento dizem o que querem ao se cadastrarem e fazem o que querem depois de assentados. “Eles estão muito soltos”, reconhece o chefe da Divisão de Operações, José Ribeiro de Andrade.

“O cadastro é declaratório”, explica o superintendente regional do Incra, José Angelino Barbosa. “Não temos bola de cristal para saber se eles estão dizendo a verdade.” Pela mesma razão, nenhum funcionário foi punido por essas irregularidades.

Os casos que o Estado encontrou no Vereda 2 têm sido denunciados há meses, segundo os moradores do assentamento, que se revoltam com as precariedades que enfrentam, enquanto pessoas abastadas da cidade usam os lotes para lazer nos fins de semana, ou simplesmente os vendem. Mas nada aconteceu, até agora.

Ribeiro afirma que, desde que assumiu a chefia de Operações, no ano passado, passou a consultar a Junta Comercial antes de aprovar os candidatos aos lotes. Nos assentamentos criados antes, no entanto, a situação parece ser mais ou menos a do Vereda 2.

Em tese, o Incra deveria estar interligado aos bancos de dados, não só da Junta Comercial, mas também da polícia, para averiguar antecedentes criminais; dos cadastros de funcionários públicos, e de órgãos do governo que registram dívidas dos contribuintes. Mas esse sistema não está em operação e as averiguações dependeriam de consultas nas repartições, que simplesmente não são feitas.

Os assentados do Vereda 2, como os de outros assentamentos, receberam R$ 13.500 para se instalar e R$ 1.500 para assistência técnica. Têm 20 anos para pagar esse empréstimo, com 3 anos de carência e juro de 1,15% ao ano.

Também receberam R$ 3 mil para comprar materiais de construção e R$ 1.500 para alimentos e fomento, com dez anos para pagar, três de carência, juro de 1,15% e um desconto de 40% do valor do empréstimo, se pagarem até o vencimento.

No Distrito Federal, nordeste de Goiás e noroeste de Minas, área da superintendência regional, há 8.290 famílias em 103 assentamentos. O preço médio do assentamento de uma família na região é de R$ 28 mil. Este ano, a meta da superintendência é assentar 1.744 famílias. O orçamento prevê R$ 9,231 milhões para aqusição de terras e 5,640 milhões em créditos.

No Brasil, entre 1995 e 2002, foram assentadas 635 mil famílias. Entre 1964 e 1994, haviam sido outras 218 mil. É impossível dizer se o Vereda 2 representa uma amostra do que acontece no nível nacional. O Incra não tem – nem está fazendo – um levantamento sobre as situações irregulares criadas até aqui. O que o órgão tem feito, sob a nova gestão, iniciada este ano, é um levantamento de terras a serem desapropriadas e de famílias para assentar: 130 mil acampadas e outros 2 milhões de possíveis candidatos.

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