O maior rio do mundo

MANAUS – Quando estabeleceram, em junho deste ano, que o Amazonas é o rio mais longo do mundo, com base em expedição, marcações de GPS e imagens de satélites, os cientistas brasileiros e peruanos reafirmaram uma verdade que os índios andinos conheciam há mais de cinco séculos: seu verdadeiro formador é o Rio Ucayali, e não o Tunguragua. Essa constatação o torna mais comprido que o Nilo. Mas ela já estava escondida, durante todos esses séculos, nos nomes desses dois rios. 

Numa impressionante pesquisa apresentada em 1889, o jurista João Mendes de Almeida mostrou que Tunguragua vem do tupi Tange-yrê-áquá, que significa “corre apressadamente atrás de outro”. E Ucayali é , na verdade, a corruptela de Oquâ-uâ-ré, o que “passa veloz e destramente adiante, deixando outro atrás”. Isso porque, apesar de nascer mais ao sul que o Tunguragua, o Ucayali “corre mais rápido” e se encontra com ele. Também a nascente de ambos já estava definida no século 18: é o Lago Lauricocha (Yâ-ri-qu’ógca, ou “tramado de fendas”, por sua origem vulcânica). 

Para quem estranha essas explicações em tupi no berço do Império Inca, João Mendes faz mais revelações: o nome Peru vem de Pé-rú, que em tupi significa “tem caminho”, referência à estrada que cortava os Andes – que, por sua vez, vem de A’-ndi, ou “muitos picos”. O “povo tupi” foi a “primeira geração” das Américas, arremata o estudioso, depois de outras referências etimológicas que alcançam até o México. 

Os nomes – ou a ignorância sobre eles – tiveram implicações geopolíticas que encurtaram o Rio Amazonas. Os portugueses não permitiram que o Rio Marañon, do qual o Tunguragua é afluente, e que desce estrepitosamente os Andes, chegasse com esse nome ao Brasil, por acreditar na lenda segundo a qual ele provinha de um suposto capitão espanhol que o teria descoberto. Na verdade, seu nome vem de Maran-nhã, em tupi o que “corre despropositadamente”. 

Todas essas confusões decorrem do quanto o Amazonas é um rio improvável. Sua nascente está muito perto do Pacífico, a 5.300 metros de altitude, num pico seco e frio. Ali, ele começa como uma lâmina d’água, que em nada lembra o Parà-nà-guaçú, “semelhante ao mar grande”. 

Antes de escolher seu caminho, ele hesita. Corre em geral na direção sul-norte, e chega a desenhar uma curva ao nor-noroeste, como se pretendesse fazer o caminho mais curto. Depois, num estreito chamado de Pongo de Manseriche, vira-se bruscamente para o leste. E lança-se na mais longa viagem de um rio na Terra: pelo menos 6.850 quilômetros (o Nilo tem 6.670), até desaguar do outro lado do continente. 

Na verdade, o Amazonas já nasce violento, ao descer do Altiplano peruano, trocando de nome seguidamente. Quando chega à planície, muda de ritmo. De Benjamin Constant, na fronteira com o Peru, até o Atlântico, o rio desce apenas 65 metros, na sua travessia de 3.220 km do território brasileiro – o que dá um gradiente de 20 milímetros por quilômetro. Daí que sua velocidade média seja só de 2,5 km/h. 

No caminho, o rio e seus mais de 7 mil afluentes tornam-se a comida, a estrada, a morada, o modo de vida de milhões de pessoas que habitam a sua bacia de 5.846.100 km², a mais vasta do mundo. 

A Colômbia chama precipitadamente de Rio Amazonas o que, ao entrar no Brasil, torna-se apenas um braço do Amazonas brasileiro: o Solimões. Só a 1.620 km dali – 10 km depois de Manaus – é que o Solimões ganha o nome de Amazonas, ao se encontrar com o Rio Negro. 

Não sem relutância. A água fria e esbranquiçada do moroso Solimões, repleta de sedimentos de rochas que seus afluentes trouxeram dos Andes, leva 6 km para começar a se misturar à do Negro, com sua cor de chá preto por causa dos ácidos da decomposição de material orgânico da floresta que ele e seus afluentes inundam, quente, veloz e bem mais raso. 

De Manaus a Belém, o Amazonas se converte na mais importante hidrovia do Brasil, com 62% da carga transportada em rios no País. Por seus 1.650 km escoam os produtos da Zona Franca e chegam os seus componentes, os grãos do Rio Madeira e a bauxita do Trombetas, além do abastecimento de toda a região. Com 30 a 40 metros de profundidade, é navegável todo o ano, até mesmo por navios grandes. 

Publicado em Grandes Reportagens: Amazônia. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados. 

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