Processo, o grande vilão

Um dos maiores vilões da ineficácia das leis no Brasil é o processo. O Código de Processo Penal, de 1941, e o de Processo Civil, de 1973, são prodígios de formalismo.

  

Bem manuseados, eles protelam ao máximo a punição, que, se e quando vem, é reduzida ao mínimo. “O problema do Judiciário não é falta de verba nem de pessoal: é o Código do Processo Civil”, sintetiza Ubiratan Mattos, do escritório Pinheiro Neto Advogados. “O devedor que não quer pagar basta seguir todo o formalismo do Código de Processo Civil, um primor de técnica e um monstro de burocracia que permite toda sorte de recursos e pereniza o processo.”

“O mecanismo do processo para aplicar a sanção prevista na lei e a própria brandura dessa sanção fazem o criminoso sentir-se perfeitamente à vontade para violar a lei”, desanima-se Mattos. “Bandido mesmo faz três raciocínios sucessivos para decidir cometer um crime: o risco de ser pego é pequeno. Se for pego, pode fugir. Na pior das hipóteses, cumpre um terço da pena. Se cometer crime bárbaro, pega dez anos de cadeia e cumpre três.”

“Na área penal, o processo nunca será perfeito”, pondera Luíz Flávio Borges D’Urso. “A reconstrução de um crime – que, por definição, ocorreu no passado – nunca trará certeza absoluta.” O criminalista adverte que o processo é justamente a área em que “é maior a ilusão de que mudando a lei se resolvem os problemas sociais”.

“Não adianta jogar criminoso na cadeia”, diz Borges D’Urso. Ele voltará a delinqüir, se não for reeducado e readaptado à sociedade. “De lei, estamos muito bem”, avalia o criminalista. “O Código Penal, que data de 1940, está atualíssimo. Seu leque de crimes é mais que suficiente para enquadrar 99% das condutas.” A exceção são os crimes de apropriação de dados eletrônicos.

Já o Código de Processo Penal “precisa de grandes ajustes, para agilizá-lo”.

O processo tem canalizado as energias e a força criativa das gerações de juristas que se formaram durante os freqüentes ciclos autoritários. “Sob a Lei de Segurança Nacional, o estudo do direito se restringiu ao formal, resultando numa geração dedicada a uma espécie de direito formulário”, analisa o tributarista Antonio Carlos Rodrigues do Amaral. “Não se podia debater o mérito. Como resultado, cresceu no Brasil o direito processual. A construção processual brasileira é maluca. Não se consegue terminar o processo.”

Se o Código Penal, ainda que de 1940, está atual, um Código Civil novo em folha passará a valer em janeiro, para substituir o de 1916 em vigor. Mas não há um otimismo unânime em torno dele. “O Código Civil começou a ser revisto em 1975. Quando entrar em vigor, já nascerá velho. Precisa de revisão urgente”, afirma Mattos. Miguel Reale, que coordenou a comissão de elaboração do código, discorda. Como prova da sua atualidade, ele diz que o código prevê a escrituração mercantil por processos eletrônicos.

“Não houve modificação estrutural alguma”, critica o juiz Urbano Ruiz, comparando a nova versão com a que está em vigor, remetida ao Congresso em 1900, e que “refletia o modo de vida e o pensamento do século 19”. Ruiz, cuja Associação Juízes para a Democracia luta pelo fim dos cartórios, queixa-se de que o Código Civil perdeu a chance de eliminá-los. “Onde há processo, há cartório”, rebate Reale. “O que existe é um formalismo excessivo. O novo código supera o tabelionatismo.”

As atribuições dadas aos cartórios estão na raiz da morosidade da Justiça, porque causam aumento significativo dos processos em trâmite no Judiciário, na visão de Urbano Ruiz, do 1.º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Ruiz dá um exemplo: o alto preço de registro da escritura faz muitos compradores não transferirem o imóvel para seu nome, criando os chamados contratos de gaveta. Se o antigo proprietário não paga uma dívida, o imóvel é penhorado. E o novo dono tem que entrar na Justiça.


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