Transbrasil anuncia que quer voltar a voar

Ex-diretores, que ficaram com o ônus, não entendem por que empresa faliu

 

A Transbrasil quer voltar. A companhia – que conta com uma equipe de 12 abnegados funcionários que trabalham sem receber salário – está preparando um plano de negócios com a ajuda do Banco Opportunity. Uma vez concluído, o banco sairá em busca de investidores. Inicialmente, a operação será só de cargas. E todo o passivo da empresa, na casa do R$ 1 bilhão, será assumido, como faz questão a acionista majoritária, Denilda Fontana, viúva de Omar, o fundador, e sogra de Antônio Celso Cipriani, o presidente.

As informações são do porta-voz da Transbrasil, Carlos Augusto Badra, que tem participado do planejamento estratégico. A quebra, em abril de 2002, deveu-se, segundo ele, à desvalorização do real frente ao dólar.

Dois anos e cinco meses depois, a falência da Transbrasil – contestada pela companhia na Justiça – ainda é motivo de perplexidade entre ex-diretores da companhia. Primeiro porque eles consideravam que ela poderia facilmente ter sido evitada. Segundo porque o ônus da quebra tem recaído sobre esses ex-diretores, que tiveram bens e contas bancárias bloqueadas, coisa que não aconteceu com o dono da companhia.

Um ex-diretor que trabalhou quase 30 anos na Transbrasil conta que só conseguiu receber seu FGTS. Entretanto, um juiz de Belém sacou esse dinheiro de sua conta, para pagar uma ação trabalhista. “Houve uma substituição da pessoa jurídica pela física”, comenta outro ex-diretor, que não pode mais movimentar conta em banco. “Vivo de mesada da minha mulher.” Em média, os executivos afirmam já ter gastado R$ 30 mil com advogados para enfrentar as ações.

A Transbrasil tinha 1.850 funcionários quando parou de voar, em dezembro de 2001. Mas, segundo o Sindicato dos Aeroviários de São Paulo, mais de 4 mil empregados têm contas a acertar com a companhia. Os que ficaram até o fim trabalharam quatro meses sem receber salário, além do calote da empresa nos direitos trabalhistas. Há histórias de alcoolismo, separações e até suicídios.

Marcos Antônio Barbosa, de 46 anos, que trabalhava no controle de manutenção, não conseguiu arranjar outro emprego no setor, que tem sofrido retração de vagas desde então. Quando a companhia quebrou, sua mulher teve de interromper um tratamento de saúde por causa do cancelamento do convênio médico. Ele tem uma dívida de mais de R$ 10 mil e seu nome está no Serasa.

Há seis meses ele não paga as prestações de sua casa, de R$ 326. A Caixa Econômica Federal o avisou de que, se não quitar a dívida dentro de um mês, será despejado. Marcos, que tem um casal de filhos, tira em média R$ 270 por mês vendendo galões de água de porta em porta.

Planos – De acordo com um ex-membro da diretoria, foram apresentados 12 planos de reestruturação da companhia. Todos rejeitados. “As discussões levavam três meses, enquanto a empresa ia morrendo.” A Transbrasil parou de voar no dia 3 de dezembro de 2001, depois que a Shell exigiu dos donos aval pessoal de R$ 1,9 milhão para seguir abastecendo os aviões da companhia, segundo um ex-diretor. Cipriani teria respondido que o risco desse aval era alto demais para ele e sua família.

Em dezembro de 1999, a Transbrasil se tornou a primeira – e até agora a única – companhia a receber indenização da União pelo congelamento de tarifas nos sucessivos planos econômicos. A indenização foi calculada em R$ 1,44 bilhão. Mas a Transbrasil também tinha dívidas com o governo. Omar Fontana, ainda vivo, fez questão que o genro Cipriani fosse o único a negociar o encontro de contas. No fim, a companhia recebeu R$ 725 milhões.

Do encontro de contas só restou uma multa com o INSS, no valor de R$ 220 milhões, segundo um ex-diretor. Inexplicavelmente, na visão de ex-executivos da empresa, Cipriani não quis aproveitar o programa de refinanciamento (Refis), que comprometeria apenas 2% do faturamento da empresa, ao longo de 15 anos. Por causa disso, a Transbrasil não obteria mais certidão negativa de débito com o INSS, que a capacitaria a se capitalizar. A dívida com o INSS está hoje em R$ 541 milhões.

Corre na Justiça Federal em São Paulo ação criminal por apropriação indébita da contribuição dos funcionários à Previdência, descontada do salário mas não depositada no INSS. São réus o ex-diretores Paulo Enrique Coco, Pedro Mattos, Mário Sérgio Thurler e José Petrônio Morato Filho (já falecido). Além de Cipriani. A dívida é de R$ 11,404 milhões.

Segundo a advogada Paula Miranda, especialista em direito aeronáutico, Cipriani não pagou sequer as custas e honorários relativos a causas importantes ganhas pelo escritório dela, como a ação cautelar que ainda assegura à Transbrasil hangares e guichês de check-in nos aeroportos. O escritório calcula que o empresário lhe deva R$ 10 milhões – 10% do que a Transbrasil faturou graças a suas ações.

Mesmo com a Transbrasil sem voar há quase três anos, com a sua falência decretada e com a cassação de sua concessão pela Aeronáutica em fevereiro, até hoje a Infraero não conseguiu recuperar os espaços alugados para a companhia nos aeroportos. Em Congonhas, por exemplo, a Gol não tem hangar, mas a Transbrasil tem. Em Manaus, por um “acordo de cavalheiros”, a Transbrasil cedeu seu terminal de cargas à Infraero, mas o seu aluguel será abatido, se por ventura um dia a Transbrasil vier a pagar sua dívida de R$ 166 milhões com a Infraero.

 

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