Colombianos vão hoje às urnas. E à guerra

Em meio a intimidações de grupos armados, eleitores votam hoje no primeiro turno da eleição presidencial e, segundo as pesquisas, devem dar amplo apoio ao candidato Álvaro Uribe, um dissidente do Partido Liberal que afirma não haver nada para negociar com a guerrilha. Pregando a guerra aberta contra os rebeldes, Uribe pode ser eleito hoje mesmo

 

BOGOTÁ — Neste domingo, os colombianos não vão apenas às urnas. Vão à guerra. Segundo todas as pesquisas, a maioria dos eleitores vai depositar seu voto em Álvaro Uribe Vélez, um advogado e administrador de 49 anos graduado em Harvard e em Oxford, cuja mensagem é de uma simplicidade aterradora: não há o que negociar com a guerrilha e só resta ao país partir para a guerra aberta e total.

Pesquisa divulgada ontem pela firma Napoleón Franco dá 48,2% a Uribe, um liberal dissidente; seguido por Horacio Serpa, o candidato oficial do Partido Liberal, com 27,4%; a conservadora independente Noemí Sanín, com 8,2%; e o sindicalista de centro-esquerda Luis Eduardo Garzón, 6,1%.

“O mais grave é que muitos desses colombianos não sabem exatamente o que essa ‘guerra’ significa”, observa Fernando Giraldo, decano da Faculdade de Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Javeriana. Durante quatro décadas, o conflito armado tem sido algo longínquo para os moradores das grandes e médias cidades: massacres de povoados com nomes exóticos, que vêem na televisão, com entediada comiseração e repugnância.

Pouco a pouco, o cerco foi-se fechando. Os seqüestros, as extorsões, os bloqueios das estradas e os atentados tornaram-se mais constantes.

Finalmente, começaram a ocorrer episódios como o de terça-feira, em que uma batalha entre Exército e guerrilha em plena Medellín deixou nove mortos, entre eles duas meninas.

Diante dessa constatação, em 1998, os colombianos escolheram, entre três candidatos que propunham negociar a paz com a guerrilha, aquele que lhes pareceu mais preparado para a tarefa, em si indiscutível: Andrés Pastrana.

Para começar a negociar, o presidente conservador retirou o Exército e a polícia de uma área do tamanho da Suíça no coração da Colômbia e a deu às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Foi um desastre.

Enquanto negociava uma agenda social intangível – fim das desiguldades sociais, do desemprego, etc. -, a guerrilha usou o santuário e base militar para fazer prosperar os negócios em que está metida: narcotráfico, seqüestro e atentados. Quatro anos jogados fora? Não necessariamente. “Pastrana negociou seriamente. Valeu a pena, para mostrar à comunidade internacional que os guerrilheiros não são Robin Hoods, mas bandidos”, avalia Juan José Echavarría, diretor-executivo da Fedesarrollo, que realiza estudos para entidades empresariais e para o governo.

O consenso se inverteu. Não só Uribe, mas também Serpa e Noemí, segundo e terceira colocados na eleição de 1998 e na última pesquisa, concordam que, neste momento, não há o que negociar com a guerrilha. Só o sindicalista Garzón considera não haver outro caminho a não ser negociar.

É nas nuances que os outros três se diferenciam. Serpa acredita que as Forças Armadas devam capacitar-se para enfrentar os insurgentes, mas a guerra não levará a lugar algum e o conflito só se resolverá com negociações e conquistas sociais. Noemí vai na mesma linha. Uribe não nega que a pobreza fomente o narcotráfico e a violência. Mas coloca ênfase muito maior na necessidade de o Estado impor sua autoridade.

“A maioria dos colombianos prefere Uribe porque ele é o que lhes inspira confiança de que pode resolver o grave problema de insegurança que os angustia”, explicou Napoleón Franco ao Estado. Os entrevistados nas pesquisas destacam o caráter “firme” de Uribe como a principal qualidade que os faz acreditar nisso.

E como ele pretende atender às enormes expectativas que lhe são depositadas?

O plano de Uribe para enfrentar os grupos armados se baseia em três medidas:

a profissionalização das Forças Armadas, a formação de uma rede de cidadãos para ajudar o trabalho da polícia e a aprovação de um “estatuto antiterrorista, que facilite as detenções e batidas policiais”.

As Forças Armadas colombianas são compostas de 60 mil soldados profissionais e 50 mil recrutas do serviço militar obrigatório. “Quando chegarmos a 100 mil soldados profissionais, acabaremos com o alistamento militar obrigatório”, diz Uribe. Para custear salários, treinamento e armamentos, ele racionalizará gastos e criará um imposto de guerra.

“Começaremos com 1 milhão de cidadãos”, prevê Uribe, referindo-se à sua rede de “vigilantes” nos bairros, ruas comerciais, fazendas e estradas. “Sem paramilitarismo”, defende-se. A proposta lembra as cooperativas de segurança particular que Uribe criou quando foi governador de Antioquia, entre 1995 e 1997, que degeneraram nos grupos paramilitares que hoje se somam à guerrilha para aterrorizar a população.

Em qualquer caso, os paramilitares, reunidos nas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), sentem afinidade ideológica com Uribe, em razão do inimigo comum, a guerrilha. No livro Minha Confissão, publicado no ano passado, o comandante paramilitar Carlos Castaño, cujo pai foi morto pelas Farc, assim como o pai de Uribe, afirma que “a base social da Autodefesa” considera Uribe seu candidato presidencial. “Aí, minha gente se engana”, analisa Castaño. “Álvaro Uribe convém ao país, mas não às Autodefesas.”

“Assim como o presidente Ernesto Samper (1994-98), cuja campanha recebeu dinheiro do narcotráfico, destruiu o Cartel de Cali, Uribe terá de ser implacável com os paramilitares, porque estará sendo vigiado com lupa”, espera o pesquisador Echavarría.

 

Se fizer um décimo do que promete, Uribe virará a Colômbia do avesso. Em sua aflição, os colombianos só esperam que ele saiba o que está fazendo.

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