Militar acha difícil ‘aniquilar’ as Farc

Coronel colombiano acredita que novo governo deve retirar gradualmente o ‘oxigênio político e militar’ da guerrilha esquerdista, em vez de tentar esmagá-la

 

BOGOTÁ – Uma coisa é falar de guerra, outra é fazer a guerra, contra frentes guerrilheiras espalhadas por todo o país, embrenhadas na selva ou misturadas com a população civil, e com comprovada disposição para recorrer ao terrorismo e transformar a Colômbia num inferno.

“Se o governo pretender aniquilar a guerrilha, não creio que isso seja possível”, afirma o coronel Carlos Alfonso Velásquez. “As Farc cresceram muito, têm bastante experiência acumulada, e os fatores terreno, coesão e organização contam a seu favor.”

Velásquez prevê que as Farc vão agir com o governo como um toureiro, que finca as bandeiras no touro, para ver como ele reage. “Se o governo ficar nervoso, será pior para ele”, adverte o coronel da reserva. “Em vez de pretender esmagar a guerrilha, o governo deve ir tirando gradualmente oxigênio militar e político das Farc.”

O general Álvaro Valencia Tovar aprova o eixo da estratégia do presidente eleito, Álvaro Uribe: a profissionalização das Forças Armadas. Elas são formadas, hoje, por 60 mil profissionais e 50 mil conscritos. “Quando chegarmos a 100 mil profissionais, eliminaremos o alistamento militar obrigatório”, prevê Uribe, em seu programa de governo.

O soldado profissional é obviamente mais efetivo e motivado que o recruta. Mas custa mais: seu salário, estima Tovar, é seis ou sete vezes maior que o soldo do conscrito do serviço militar obrigatório. Uribe vai precisar de dinheiro, num contexto em que promete lutar contra o déficit fiscal, embora sem sacrificar os investimentos sociais e militares.

“Parece que o presidente vai buscar o apoio estrangeiro, não só político, mas também econômico, e tentará mostrar ao mundo que a Colômbia está travando uma batalha solitária contra o narcotráfico, que é um problema internacional”, diz o general da reserva, recordando que a União Européia é um grande consumidor das drogas colombianas. O que equivale a dizer que ela financia o conflito armado colombiano, indiretamente.

Os americanos também são, mas têm dado sua parcela de contribuição. No biênio 2000-2001, o presidente Bill Clinton colocou US$ 1,3 bilhão no Plano Colômbia, de combate ao narcotráfico – e à guerrilha, para efeitos práticos – e substituição de cultivos. Tudo indica que o governo George W. Bush será tão ou mais generoso. Além disso, Uribe acena, se necessário – e será -, com um imposto de guerra.

No que não depende dos humores externos, Uribe recorre à criatividade. Ele propõe criar uma “rede de vigilantes” de 1 milhão de cidadãos, para ajudar, com informações, a polícia e o Exército. Tovar vai além. Enviou, em novembro, à chefia de campanha de Uribe, uma proposta de criação de uma guarda nacional rural: agricultores, dos 18 aos 45 anos, armados de revólveres e escopetas de fabricação nacional, que “proporcionariam apoio adicional, sobretudo em inteligência”. Esse contingente, inicialmente de 30 mil homens, e aumentado gradualmente, continuaria trabalhando no campo.

São idéias que atemorizam muitos colombianos: os grupos paramilitares, que hoje, como a guerrilha, aterrorizam os povoados e se financiam com narcotráfico e extorsões, começaram assim. “Acho essa proposta perigosa”, diz o coronel Velásquez. “A formação dos oficiais do Exército leva quatro anos e, mesmo assim, eles incorrem em fatos obscuros. Que dirá essa gente do campo? Isso pode facilmente incentivar uma guerra civil.”

Quando governador da Antioquia (1995-97), Uribe impulsionou a criação de cooperativas de segurança particular, que degeneraram em bandos armados. Mas se compromete a dispensar exatamente o mesmo tratamento a guerilheiros e a paramilitares: chances de diálogo e reinserção, ou guerra.

De resto, Uribe assume com Forças Armadas muito melhores do que aquelas encontradas pelo presidente Andrés Pastrana, há quatro anos. A começar pelo moral da tropa. No governo anterior, de Ernesto Samper (1990-94), cuja campanha teria recebido US$ 5 milhões do narcotráfico, a Colômbia se converteu em pária perante os Estados Unidos.

“Muitos oficiais passaram para a reserva, porque não queriam estar subordinados a um presidente tão desmoralizado”, recorda Tovar, a quem a ruptura com os EUA, que suspenderam todo tipo de cooperação, inclusive militar, doeu particularmente, depois de ter lutado ao lado dos americanos na Guerra da Coréia (1950-53), num batalhão colombiano de elite.

Fragilizado diante da opinião pública internacional, o governo Samper acossava os militares, com investigações e ações disciplinares em cada operação que terminava em morte de guerrilheiros. Mesmo no atual governo, civis e militares falam línguas diferentes: enquanto Pastrana chama os guerrilheiros de “insurgentes”, os comandantes se referem a eles como “narcoterroristas”.

Além da moral baixa e da escassez de equipamento, existia um problema de doutrina similar ao que havia e tem sido corrigido nas Forças Armadas brasileiras e de outros países sul-americanos: a falta de coordenação entre Exército, Marinha, Força Aérea e Polícia Nacional – que, na Colômbia, também combate a guerrilha, por causa do seu envolvimento no crime organizado.

Essas deficiências se refletiram em vergonhosas derrotas naquele período. Só em 1997 e início de 1998, foram sete massacres de soldados pela guerrilha. O mais emblemático foi o de El Billar, no centro-sul do país, onde depois se criaria a zona desmilitarizada. Pelas contas do Exército, 58 militares foram mortos e 27 capturados por cerca de 400 guerrilheiros, e 29 desapareceram.

Era uma brigada móvel. “Se isso acontecia com uma unidade profissional e especializada como essa, imagine o resto”, diz Tovar.

O general participou de uma comissão externa que reformou a doutrina, a legislação e as normas militares. As quatro forças se entrosaram. Os helicópteros e aviões-fantasma, que representam vantagem comparativa do governo sobre a guerrilha, passaram a apoiar as ações terrestres e navais.

As unidades táticas móveis voltaram a ser mais ágeis e ativas. E foi a guerrilha que passou a sofrer pesadas baixas. “Hoje, os guerrilheiros não querem saber de combate frontal”, observa Tovar. Foi por isso que eles recorreram ao terrorismo.”

O general não acha que as ações nas grandes cidades, em cuja periferia a guerrilha tem recrutado milicianos, representem uma ameaça maior. “Eles se engajam mais por necessidade do que por convicção”, observa Tovar, que atuou na área de inteligência do Exército. “É fácil desmantelá-los, com inteligência, como em Medellín. Em Bogotá, não conseguiram nem sequer se estabelecer.” No domingo de eleição, a polícia encontrou um hospital clandestino dentro de Bogotá, que servia para atender a guerrilheiros feridos. “Não vejo um futuro nas milícias”, descarta o general.

 

Quanto ao respaldo da tropa, Uribe não terá do que se queixar. Segundo Tovar, as famílias dos militares da ativa – que não têm direito a voto -, assim como os da reserva e seus familiares, votaram maciçamente no presidente eleito.

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