Uribe ganha mandato para enfrentar a guerrilha

Dissidente liberal que promete uma dura ação militar contra os grupos rebeldes conquista 52,9% dos votos válidos e é eleito presidente da Colômbia no primeiro turno, fato inédito na história do país; o governista Serpa, o segundo colocado, obtém 31,8%

 

BOGOTÁ — O dissidente liberal Álvaro Uribe Vélez, de 49 anos, obteve ontem um mandato contundente para enfrentar os grupos armados colombianos. Uribe se elegeu presidente no primeiro turno, com 52,9% dos votos válidos. Horacio Serpa, candidato oficial do Partido Liberal, ficou em segundo lugar, com 31,8%. O sindicalista Luis Eduardo Garzón teve 6,2% e a independente Noemí Sanín, 5,8%.

É a primeira vez que um candidato se elege no primeiro turno, obtendo mais de metade dos votos válidos, desde que foram introduzidos dois turnos. Uribe teve 5,8 milhões de votos, respaldo equivalente ao que os candidatos vencedores costumam receber apenas no segundo turno. As últimas pesquisas de intenção de voto previam a vitória de Uribe, mas a necessidade ou não de segundo turno estava dentro da margem de erro.

Menos da metade dos 24 milhões de colombianos aptos a votar participou das eleições, marcadas por uma campanha de intimidação dos grupos armados e de atos de sabotagem em todo o país. Mesmo assim, longas filas se formaram o dia inteiro nas maiores seções eleitorais em todo o país, com notável presença de jovens. A piada ontem em Bogotá era que até o piloto colombiano Juan Pablo Montoya, que abandonou o Grande Prêmio de Mônaco por problemas mecânicos, saiu mais cedo da prova para ir votar.

A contagem de votos seguiu um ritmo notável. Às 18 horas locais, apenas duas horas depois do fechamento das urnas, 90% das mesas eleitorais já tinham sido escrutinadas, não deixando dúvidas quanto ao resultado. Nessa hora, a embaixadora dos EUA em Bogotá, Anne Patterson, foi felicitar Uribe, que se tinha instalado com sua equipe no sexto andar do Hotel Dann Carlton, no norte de Bogotá. “Vamos fortalecer as relações bilaterais”, disse a embaixadora.

Uribe, numa demonstração de sua conhecida austeridade, manteve a fisionomia sóbria, e esperou para se pronunciar depois que Serpa reconhecesse sua vitória. Ao agradecer, com olhos marejados, Uribe lembrou sua mãe, que militou nos anos 50 em favor do direito ao voto feminino, e o assassinato de seu pai pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 1983.

Ao lado de seu vice, Francisco Santos, de 40 anos, cuja família é proprietária do principal jornal do país, El Tiempo, Uribe prometeu respeitar os direitos democráticos ao adotar medidas para garantir a segurança pública. “Amanhã (hoje) na primeira hora, vou buscar mediação internacional para o diálogo com os grupos armados”, disse, acrescentando que, para isso, eles terão de demonstrar real disposição.

O programa de governo de Uribe prevê três medidas para fazer frente à guerrilha: a profissionalização das Forças Armadas, a formação de uma rede de 1 milhão de cidadãos “vigilantes” para ajudar as autoridades no combate aos grupos armados e a aprovação de um “Estatuto Antiterrorista” para reduzir as restrições legais à detenção de suspeitos e à realização de batidas policiais.

Quando era governador da Antioquia, entre 1995 e 97, Uribe criou cooperativas de segurança privada que degeneraram em grupos paramilitares, que mantêm vínculos clandestinos com setores das Forças Armadas e da polícia, e combatem a guerrilha usando os mesmos métodos: massacres de povoados e financiamento do narcotráfico. Uribe, no entanto, garante que será implacável com todos os grupos armados.

O presidente eleito deve garantir maioria absoluta na Câmara dos Deputados e no Senado eleitos em março, graças a adesões de parlamentares liberais e conservadores. Mesmo assim, ele disse que uma de suas primeiras medidas será convocar um “referendo contra a corrupção e a politicagem”, para aprovar a redução das duas Casas a um Congresso unicameral, com 150 cadeiras, em vez das 266 atuais.

Uribe votou às 15 horas na Praça de Bolívar, em frente ao Congresso, sob pesada chuva e forte esquema de segurança. O domicílio eleitoral do candidato é o bairro de Ciudad Kennedy, no sul de Bogotá, mas seu local de votação foi mudado, por razões de segurança. Ele escapou em abril de um atentado das Farc, que deixou cinco mortos. As Farc mantêm refém há 94 dias outra candidata, a senadora Íngrid Betancourt, que ficou em quinto lugar, com 0,5% dos votos.

Ao lado da opção por uma atitude de força do Estado para derrotar a guerrilha e garantir a segurança dos cidadãos, a vitória esmagadora de Uribe também reflete a falência dos partidos. Uribe, que em 1998 apoiou Serpa, apresentou-se como candidato dissidente do Partido Liberal, o maior do país, e o venceu, passando por cima da máquina partidária. Já o Partido Conservador, de Pastrana, desistiu da disputa, diante da impopularidade de seu governo, que insistiu num processo de paz inteiramente fracassado.

Serpa, que teve 3,5 milhões de votos, demorou a reconhecer a derrota. Às 19h45, chegou ao centro de convenções onde 500 cabos eleitorais o aguardavam, em clima curiosamente festivo. Leu um discurso, no qual, depois de auto-elogios, reconheceu a vitória de Uribe, desejou-lhe sorte e disse que não voltará a disputar cargos públicos e entregará a liderança do partido.

 

Noemí foi a primeira candidata a reconhecer a vitória de Uribe, pouco antes das 19 horas, oferecendo ajuda ao presidente eleito. Depois veio Garzón, que condenou as atrocidades dos grupos armados, mas salientou a necessidade de reformas sociais e políticas. “Para tudo o que seja guerra, não contem comigo”, disse o líder de centro-esquerda.

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