Aventura faz embaixador reviver a revolução do Irã

Sérgio Florencio, que estava na embaixada em Teerã nos anos conturbados de 1977 a 1981, diz que se sentiu ‘jovem de novo”

 

QUITO – “Eu me senti jovem de novo.” A cinematográfica operação de fuga do ex-presidente Lucio Gutiérrez fez o embaixador Sérgio Florencio, de 59 anos, e sua mulher, Sônia, se lembrarem de quando ele serviu na embaixada do Brasil em Teerã, nos conturbados anos de 1977 a 1981, testemunhando a queda do xá Reza Pahlevi, a ascensão do aiatolá Ruhollah Khomeini, a crise dos reféns na embaixada americana e o início da guerra Irã-Iraque.

Visivelmente satisfeito e aliviado com o sucesso da operação, Florencio, um homem calmo e agradável, reconhece que não se sentiu muito confortável sob o uniforme do Grupo de Operações Especiais da polícia equatoriana. “Mas senti que estava cumprindo uma missão.” O embaixador passou por maus bocados nesses três dias e meio de asilo a Gutiérrez. 

O pior momento foi na sexta-feira à noite, quando ele foi chamado pela chancelaria mas acabou impedido de sair da residência pelos manifestantes, que golpearam o jipe Honda, tentando abrir as portas ou virar o veículo, que teve de dar marcha à ré e entrar de novo na residência. O incidente suscitou um telefonema do secretário-geral das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, ao vice-chanceler equatoriano, Edwin Johnson, no qual o número 2 do Itamaraty exigiu que a segurança do embaixador fosse garantida. 

Na noite da véspera, o ministro conselheiro da embaixada, José Fiúza, havia levado um murro na cabeça quando saía a pé da casa. Na fachada da bela residência diplomática, uma construção colonial dos anos 40, na qual João Cabral de Mello Neto escreveu algumas de suas poesias, quando era embaixador em Quito, nos anos 70, ainda se viam ontem de manhã as marcas de tomates e ovos jogados pelos manifestantes, que chegaram também a lançar uma garrafa. Florencio recebeu telefonemas anônimos com ameaças e estuda pedir proteção policial por algum tempo. “Acho que vai ser necessário”, opina Sônia, a embaixatriz.

Os manifestantes acusam o Brasil de contribuir para a impunidade de mais um presidente equatoriano – o terceiro que foge do país em meio a protestos desde 1997. Entre a concessão do asilo diplomático pelo Brasil, na tarde de quarta-feira, e a entrega do salvo-conduto pela chancelaria equatoriana, na manhã de sábado, Florencio e Gutiérrez viveram uma tensa espera. 

A entrega do documento, assinado pelo novo presidente Alfredo Palacio, foi cercada de sigilo. Durante todo o sábado, a embaixada não confirmou as informações extra-oficiais de que o salvo-conduto tinha saído. Nem mesmo à cozinheira equatoriana Digna, que queria fazer feijoada de almoço, o embaixador pôde contar por que um prato tão pesado não seria conveniente naqueles momentos de preparativos da fuga. Doña Digna foi convencida a servir ceviche, uma iguaria andina de pescado cru com molho de limão. 

 

Gutiérrez fazia as refeições com Florencio e Sônia numa mesa branca da sala-de-jantar. Como militar, procurava não transparecer seu desconsolo, mas estava visivelmente deprimido. Antes do intenso convívio, o coronel e o embaixador já tinham uma relação de amizade. Ambos costumavam encontrar-se no Parque Metropolitano, onde realizavam corridas matinais, um hábito em comum. O clima desses dias não permitiu conversas mais profundas, diz o embaixador. “Mas pretendo me encontrar com ele em Brasília.” 

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