Convivência é marcada pela desagregação

Brasileiros recusam-se a falar espanhol e não empregam trabalhadores locais

 

ASSUNÇÃO – Embora os primeiros brasileiros tenham chegado à faixa de terras férteis que margeia o Rio Paraná há mais de 30 anos, houve pouca ou nenhuma assimilação entre eles e os paraguaios. Os brasileiros que moram no Paraguai – e não gostam de ser chamados de “brasiguaios”, porque o estigma cristaliza o limbo jurídico em que muitos deles se encontram, vivendo sem papéis no Paraguai e sem perspectivas de voltar ao Brasil – continuam falando português e ouvindo música brasileira.

Quando muito, os brasileiros aprendem espanhol. Pouquíssimos brasileiros falam guarani, a língua que os paraguaios aprendem em casa e normalmente empregam entre si, principalmente na zona rural, onde metade dos camponeses não fala espanhol. Embora estejam em seu país, os paraguaios é que normalmente se esforçam para falar português.

Mais que isso, sempre que podem, os brasileiros contratam serviços e compram produtos de outros brasileiros. “Quem produz neste país são os brasileiros”, diz o paranaense Haroldo Chiqueti, dono de uma oficina em San Alberto, onde só trabalham brasileiros.

Há um indissimulável sentimento de superioridade por parte dos brasileiros, a maioria vinda do Sul do Brasil e muitos deles loiros, em contraste com as feições indígenas dos paraguaios da zona rural. Não é difícil ouvir os brasileiros chamando os paraguaios de “bugres”, é uma maneira geralmente pejorativa de se referir aos índios no interior do Brasil.

“Os descendentes de alemães e italianos do Sul do Brasil são muito trabalhadores e têm uma visão diferente dos paraguaios, que, por influência indígena, são mais propensos a caçar e pescar”, analisa a irmã Itelvina Bastian, coordenadora nacional da Pastoral dos Migrantes em Assunção. Essas diferenças têm sido fonte de ressentimentos, por parte dos paraguaios. Numa situação de conflito, como a de agora, os ressentimentos convertem-se em agressividade.

Moradores de General Díaz, localidade de maioria brasileira a 25 quilômetros de Porto Índio, contam que “campesinos” (aqui, sinônimo de paraguaios) passam na carroceria de caminhões e gritam: “Vão embora, brasileiros, isto aqui é tudo nosso.” Um dos líderes dos camponeses de Porto Índio, Pedro Miguel Blanco, não negou que isso aconteça: “Não se deve dar importância demais para o que se grita.”

Muitos brasileiros sentem saudade dos tempos do ditador Alfredo Stroessner (1954-89), quando sua vinda era estimulada e não existiam invasões de terras, hoje espalhadas por todo o Paraguai. “Eu era feliz e não sabia”, suspira a gaúcha Cidone Bruxer, que veio em 1982 e é dona de um restaurante em General Díaz. “A gente investiu tudo o que tinha aqui e agora querem nos expulsar.”

Os brasileiros começaram a chegar em meados dos anos 60, vindos do Sul e atraídos pelas terras boas e baratas do Alto Paraná. Venderam suas terras e chegaram capitalizados, trazendo seus implementos de lá. Também tiveram acesso a empréstimos a juros baixos, como parte da política de estímulo de Stroessner, que considerava que os brasileiros modernizariam a agropecuária paraguaia.

De acordo com o pesquisador Tomás Palau, os brasileiros compravam terras do próprio Instituto do Bem-Estar Social (IBR, equivalente ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária brasileiro – Incra), que supostamente deveria usá-las para assentamentos, mas era um órgão corrupto. Daí que muitas dessas terras sejam devolutas.

 

O fluxo migratório manteve-se até os anos 80. Com Itaipu, muitos brasileiros perderam suas terras, e, ao voltar para o Sul do Brasil, formaram o Movimento dos Sem-Terra (MST). O fluxo reverteu-se, com o esgotamento da terra e as crises paraguaias. De acordo com Cláudio Schu, líder de agricultores brasileiros no Departamento de Itapúa, pelos menos 5 mil voltaram para o Brasil no ano passado. “A maioria gostaria de voltar.” Mas os brasileiros ainda devem ser cerca de 300 mil – ou 5% da população do Paraguai.

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