Peruanos tentam escolher o candidato menos ruim

 

LIMA — Os 3 milhões de peruanos que vão decidir a eleição presidencial de hoje enfrentam um difícil dilema ético.

Esses eleitores, que representam 20% dos votantes do país e figuram como indecisos nas pesquisas de opinião, terão de escolher entre um Alejandro Toledo instável, mentiroso e cambiante, que adapta seu discurso ao sabor das tendências do eleitorado, e um Alan García cujo governo (1985-90) levou o país à ruína, com corrupção, inflação e terrorismo desenfreados.

“Qual será menos ruim?” é a pergunta mais ouvida em Lima nos últimos dias. “No que se refere a Toledo, é um dilema ético pessoal”, explica Sinesio López Jiménez, coordenador do mestrado em ciência política da Pontifícia Universidade Católica do Peru. “No caso de García, ético político.”

Como o ex-presidente pediu perdão por seus erros, no entanto, o juízo sobre ele encerra também uma dúvida filosófica: o que os pecados desastrosos de um político ensinam a seu respeito? Que ele não é bom ou que ele terá aprendido e melhorado com os erros? A série histórica das pesquisas no Peru mostra que 10% dos eleitores se decidem na última semana e outros 10%, no momento em que chegam à cabine de votação.

O dilema se agudiza com o sentimento dos peruanos comuns de que não devem votar em branco nem nulo, de que é sua obrigação corrigir o destino do país, depois da traumática experiência do último ano: cinco meses depois de reeleito, Alberto Fujimori exilou-se pateticamente em Tóquio, enquanto o Peru se aturdia com o desfile infindável de autoridades do país flagradas em vídeos sendo subornadas pelo ex-chefe do serviço secreto Vladimiro Montesinos, de paradeiro desconhecido.

A pesquisa mais recente, do Grupo de Opinião Pública (GOP) da Universidade de Lima, concluída na quarta-feira, atribui a Toledo 42,7% das intenções de voto, 35,1% a García e 22,2% de brancos e nulos. Esses resultados são de simulação do voto secreto, com réplica da cédula e, portanto, não incluem indecisos. Na modalidade de pesquisa comum, o GOP apurou 8,1% de indecisos, 41,8% para Toledo, García com 32,1% e brancos e nulos, 18%.

Os outros institutos importantes também registraram, em suas últimas sondagens, mais ou menos a mesma distância entre os dois candidatos – com exceção de dois, o Apoyo, que colocou García a três pontos porcentuais de Toledo, configurando empate técnico, e o Imacen, que, numa pesquisa privada, segundo fontes, registrou vantagem de apenas 0,8 para Toledo.

No primeiro turno, dia 8 de abril, Toledo obteve 36,51% dos votos e García, 25,78%. A batalha deste segundo turno é pelos votos dados à terceira colocada, Lourdes Flores, que obteve 24,30%, e ao quarto, Fernando Olivera, que teve 9,85%.

De acordo com Luis Benavente, da Universidade de Lima, 24% dos eleitores de Lourdes dizem que vão votar agora em García; 20% em Toledo e 56% estão indecisos ou votarão em branco ou nulo. Já 30% dos eleitores de Olivera optam por Toledo, 11% por García e 59% até agora não foram para nenhum deles. Feitas as contas, a distribuição dos votos esteve, até agora, praticamente equilibrada.

Se os eleitores dos candidatos derrotados se dividem ao meio entre os dois candidatos, o que acontece com os deputados eleitos no dia 8 de abril para o Congresso unicameral de 120 cadeiras? Peru Possível, o partido de Toledo, elegeu 45 deputados e pode obter apoio de outros cinco partidos, que somam 25 cadeiras, garantindo-lhe folgada maioria.

Um eventual governo de García encontrará um Congresso bem menos amigável. Além dos 28 deputados eleitos pelo seu Partido Aprista, de esquerda, García pode atrair alguns deputados das agrupações menores. Mesmo que consiga apoio dos 17 deputados da Unidade Nacional, de Lourdes, o que não será fácil, ainda estará longe da maioria absoluta de 61 cadeiras.

Indagado pelo Estado se não enfrentaria problemas de governabilidade, García respondeu que ela não depende de maioria parlamentar. “Não vou oferecer cargos para obter apoio, o que seria visto como politicagem”, ponderou. “Se nós, peruanos, não nos unirmos, estaremos dando razão a Fujimori”, que instaurou uma espécie de ditadura branca no país.

Ciente das dificuldades, García manteve um discurso conciliador ao longo dos quatro meses de campanha, sob o título “Concertación” — o nome dado à vitoriosa coalizão entre a Democracia Cristã e o Partido Socialista nos três governos do Chile pós-Pinochet. “Toledo (se for eleito) terá em mim um grande aliado para a governabilidade”, acrescentou o candidato. “Ofereço meu apoio sem pedir nada, nenhum ministério ou embaixada, só para demonstrar ao mundo que aprendemos uma lição.”

Em seu governo, García decretou moratória e nacionalizou bancos e empresas. A possibilidade de sua vitória causa nervosismo na comunidade financeira internacional. A divulgação da pesquisa do Instituto Apoyo, no domingo, ocasionou a desvalorização do sol e a queda dos títulos da dívida peruana.

“Toledo está mais próximo do establishment americano”, observa Sinesio López. O candidato fez doutorado em economia em Stanford, na Califórnia, e mescla elementos do “sonho americano” com sua identidade indígena.

 

Para os interesses mais imediatos do Brasil, não faz muita diferença. Os dois candidatos, assim como Lourdes Flores, estão comprometidos com o projeto de uma estrada unindo o Acre ao porto peruano de Ilo, no Pacífico. Ela permitirá o embarque, diretamente para a Ásia, da soja de Mato Grosso e Rondônia, que hoje segue para Belém, e a vivificação da fronteira, abandonada ao contrabando e ao narcotráfico.

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