Apagão e falta de gasolina na Venezuela podem acelerar queda do chavismo

Dezenas de pessoas aguardam no aeroporto venezuelano de Barquisimeto, que suspendeu todos os voos em razão do apagão que afeta o país Foto: Ronaldo SCHEMIDT / AFP

Pane seca. Essa será uma das causas da queda do regime venezuelano. Isso, num país que tem a maior reserva de petróleo do mundo, a oitava maior de gás e a terceira maior usina hidrelétrica, ao lado de bacias com potenciais gigantescos de geração de energia. O apagão elétrico dos últimos dias e a falta de gasolina são retratos da incompetência quase suicida dessas duas décadas de chavismo, que não se pode esconder por trás das alegações de “bloqueio econômico” e “sabotagem”.

Em 2008, o então presidente Hugo Chávez declarou que a Venezuela ia “se converter numa potência energética mundial”. Era um período de grandiloquência. Dois anos antes, Luiz Inácio Lula da Silva, que considerava Chávez um democrata visionário, profetizou que o Brasil se tornaria uma potência do petróleo e até entraria para a Opep, o cartel dos exportadores liderado pela Arábia Saudita, em razão das descobertas do pré-sal.

A euforia de Chávez era embalada por descobertas de novas reservas de gás e pela construção da hidrelétrica de Manuel Piar, na represa de Tocoma. Ela está na lista de 11 obras que a Odebrecht não entregou na Venezuela, e por cujos contratos pagou US$ 30 bilhões em propinas ao regime chavista, segundo a ex-procuradora-geral venezuelana Luisa Ortega Díaz. Coisas parecidas aconteceram com o sonho de Lula no Brasil.

O apagão de 22 horas entre quinta e sexta-feira foi algo sem precedentes. Os atendimentos médicos, que já são muito precários em função da falta de remédios e de médicos, entrou em colapso. Cirurgias tiveram de ser interrompidas no meio por falta de energia. Nem todos os hospitais têm geradores, e nem todos os geradores têm combustível, já que isso está em falta também.

Foi interrompido o abastecimento de água — onde ele ainda ocorre. Nos bairros de classe média alta de Caracas, não há fornecimento de água, para punir seus moradores por apoiar a oposição, e para forçá-los a comprar dos caminhões-pipa, por US$ 15 cada entrega — muito mais do que o salário da maioria da população. Como todo negócio lucrativo na Venezuela, esse também é controlado pelos “enchufados” (literalmente, “ligados na tomada”), como são chamados os que se beneficiam de negócios com o regime.

Mas os blecautes são algo comum na Venezuela há mais de dez anos. E o problema é simples: falta de geração de energia. A Corpoelec, a estatal do setor, deixou de publicar os seus relatórios mensais em 2009 — assim como o Banco Central parou de divulgar índices em 2015. Mas dados fornecidos clandestinamente por funcionários à BBC mostravam, já em 2015, que, de uma capacidade instalada de 34 mil megawatts, a geração era de apenas 17 mil. A demanda, na época, eram 18 mil megawatts. Tanto a geração quanto a demanda caíram desde então, com a obsolescência do sistema e o encolhimento da economia.

Algo parecido ocorreu com a produção de gasolina. Em 2008, o refino representava 77,5% da capacidade instalada da PDVSA, a estatal do petróleo. A proporção foi caindo ano a ano, segundo a agência Bloomberg, com base em dados da própria PDVSA. Chegou a 50,2% em 2016, a 28,5% em 2018, e este ano está em 23%. 

As sanções americanas ao setor entraram em vigor apenas em janeiro deste ano. A queda da geração de energia e do refino de gasolina não foi originada por essas sanções.

Os EUA forneciam dois terços da gasolina consumida pelo país, em grande parte originária da Citgo, subsidiária da PDVSA em território americano. A queda do fornecimento dentro da Venezuela foi na mesma proporção: de 160 mil barris diários para 60 mil. Os EUA também deixaram de fornecer os diluentes para o transporte do petróleo da Bacia do Orinoco via oleoduto para a costa caribenha e a nafta usada no refino. A Rússia está enviando esses insumos, mas em quantidade menor. 

O que o regime chavista está recebendo é um tiro de misericórdia. O que o deixou agonizante foi sua incapacidade de gestão.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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