Maduro deixa câmbio oficial mais caro que paralelo para atrair dólar

O presidente do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, Maikel Moreno, está entre os sancionados pela UE Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Lourival Sant’Anna
ESPECIAL PARA O ESTADO/CARACAS

Uma das coisas que têm atraído visitantes — sejam venezuelanos que emigraram ou estrangeiros — a Caracas é uma medida adotada pelo Banco Central da Venezuela (BCV) no fim de janeiro: a aplicação de uma taxa de câmbio melhor até do que a do mercado paralelo. A decisão foi tomada para atrair dólares para o país, depois do cerco liderado pelos Estados Unidos para asfixiá-lo financeiramente.

No dia 28 de janeiro, o dólar oficial passou de 2.084 para 3.299 bolívares — um valor superior ao do paralelo. Com isso, em vez de se aventurar pelos calçadões do centro de Caracas para trocar seus dólares ou euros por bolívares a uma cotação melhor, os venezuelanos com contas no exterior e os turistas podem simplesmente usar seus cartões de crédito para fazer pagamentos a preços relativamente baixos.

O problema, para o regime, é que isso diminui os ganhos dos militares e empresários que, por suas relações com o governo, lucravam com as diferenças entre a taxa de câmbio oficial e o valor real de mercado. Menos lucros significam menos disposição de arriscar a pele por um regime que enfrenta uma robusta oposição interna e externa.

Com a rápida perda de moeda forte, o BCV vem desvalorizando o bolívar frente ao dólar. A partir do mês passado, ele passou a flutuar livremente. Antes de permitir a flutuação livre, o BCV desvalorizou o bolívar soberano — instituído em agosto do ano passado, com  corte de cinco zeros da moeda — em 35%. 

O BCV recebe os pagamentos em dólares e os converte em bolívares para os estabelecimentos comerciais locais. Essa se tornou uma das poucas opções de entrada de divisas para o país, depois da imposição, em maio, das sanções financeiras americanas, em reação à reeleição naquele mês de Nicolás Maduro, considerada fraudulenta. Outra forma é a remessa de dinheiro para as famílias por parentes no exterior.  O governo proibiu no mês passado o envio de remédios, para incentivar a remessa de dólares, também embolsados pelo BCV, que os converte em bolívares.

Desde janeiro, a Venezuela não consegue mais receber pelo petróleo que exporta, nem vender o seu ouro. O governo de Maduro tentou sacar o equivalente a US$ 1,2 bilhão em barras de ouro do Banco da Inglaterra, mas a operação foi negada. Depois, quando estava separando o equivalente a US$ 800 milhões (10% das divisas declaradas) em barras de ouro dentro do BCV, funcionários do próprio banco alertaram a imprensa internacional. O ouro seria transportado em um avião russo para os Emirados Árabes Unidos. A operação foi abortada, sob pressão americana. 

A Venezuela tem hoje cerca de US$ 8 bilhões em divisas, das quais boa parte em ouro. A criação do bolívar soberano, em agosto do ano passado, representou uma queima inútil de US$ 500 milhões da moeda forte. Segundo o economista Jesús Casique, da consultoria Capital Market Finance, foi isso o que custou a impressão dos novos bolívares soberanos. Entretanto, como a mudança da moeda não veio acompanhada de medidas para equilibrar as contas do governo, a hiperinflação continuou e o dinheiro perdeu o valor instantaneamente. É um caso de reincidência, como acontecia antes no Brasil: três zeros já haviam sido cortados em 2008.

A Venezuela não consegue mais rolar sua dívida e nem obter receitas com exportações. Desde o final de 2015, o BCV não divulga índices oficiais. Consultores em Caracas fazem cálculos aproximados e os fornecem para seus clientes. Um deles, Efraín Velázquez, afirma que faltam US$ 30 bilhões ao ano para o país se financiar. A equipe de Guaidó tem negociado um empréstimo de US$ 80 bilhões com o Fundo Monetário Internacional, para depois da eventual queda do regime de Maduro. 

A cada dia, aumenta o contraste entre a asfixia do regime, de um lado, e o alívio prometido pela comunidade internacional, depois de sua queda.

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