Chineses combinam planejamento e agilidade

Empresas brasileiras instaladas na China elogiam o pragmatismo do país nos negócios

Os chineses são pródigos na relação com o tempo. Não contente com os planos qüinqüenais, da tradição dos regimes comunistas, o Partido Comunista Chinês costuma elaborar planos de 20 anos. O último Congresso Nacional do PCC, por sinal, em 2002, determinou que até 2022 o Produto Interno Bruto da China deve quadruplicar mais uma vez – como aconteceu nos últimos 20 anos.

Com sua burocracia comunista, seu planejamento central e dimensões continentais, a China poderia parecer, à primeira vista, para um empresário ocidental, uma engrenagem travada. Engano, dizem os executivos brasileiros com experiência no país. O planejamento estratégico não impede que os chineses sejam ágeis nos trâmites burocráticos, rápidos para tomar decisão e flexíveis, quando a situação exige.

“Eles se pautam pelo pragmatismo”, testemunha Horácio Forjaz, vice-presidente de Comunicação Empresarial da Embraer, que tem uma fábrica no norte da China. “Eles sabem o que querem e sabem como chegar aonde querem.” Quando decidiu que queria a instalação de uma fábrica de aviões regionais, a primeira coisa que o governo chinês fez foi elevar a tarifa de importação para um patamar proibitivo. “Foi um estímulo bastante candente”, sorri Forjaz.

Isso foi em meados de 2002. Em dezembro do mesmo ano, era firmado o acordo da joint venture Harbin Embraer. Um ano depois, a nova fábrica apresentava o seu primeiro avião. Ou seja, todo o processo durou 18 meses. “Estamos muito bem impressionados”, garante o vice-presidente da Embraer. “Sem perder a virtude do planejamento estratégico, que qualquer país requer, a China vem habilmente incorporando políticas que a tornam mais dinâmica e agressiva comercialmente.”

A experiência da Voith Siemens São Paulo, que fornece componentes de seis turbinas e geradores da Hidrelétrica Três Gargantas, é parecida. Na licitação da segunda fase do projeto, orçada em US$ 250 milhões, a empresa entregou sua oferta em outubro. Em fevereiro, veio a resposta. “Os chineses são bastante detalhistas, muito bons tecnicamente e duros de negociar”, descreve Júlio Azevedo, gerente de Contrato Internacional da empresa. “Mas eles são flexíveis, justos e coerentes: quando você demonstra que tem razão, eles concordam. São desconfiados por princípio, mas, depois que passam a confiar em você, tudo fica mais fácil.”

“Você chega ao aeroporto e já percebe o primeiro sinal: é atendido de forma tranqüila, rápida, não é perturbado”, elogia Johni Richter, diretor corporativo de Operações da Embraco, que detém 60% de uma fábrica de compressores para refrigeradores em Pequim, desde 1995, um investimento de US$ 25 milhões. “Eles fazem questão de que você bote seu dinheiro lá. Dá gosto ver a motivação deles. Não tem sábado nem domingo.”

Segundo Richter, a burocracia ainda é grande, mas não chega a perturbar os negócios. E o regime tributário “talvez seja um pouco melhor que o nosso” – o que, convenhamos, não é mérito. Em contrapartida, descreve o executivo, que viaja para a China a cada quatro meses, o país oferece distritos industriais sofisticados. E há as zonas preferenciais de exportação, com isenção de impostos, franquia para armazenagem de produtos e outros benefícios.

“Investir na China é uma experiência boa, mas tem que ser competente, porque a concorrência é muito forte, em todos os ramos”, adverte o diretor da Embraco, cuja fábrica na China produz 2,2 milhões de compressores por ano, e fatura cerca de US$ 40 milhões.

Segundo Richter, o governo tem sido mais seletivo na aprovação de novos investimentos. “Eles querem projetos lucrativos, que garantam retorno para o sócio” – no caso, as empresas chinesas. No início da abertura, conta o executivo, o governo era pouco criterioso na aprovação de projetos. Isso gerou um rombo de mais de US$ 400 bilhões em “moedas podres”, de empreendimentos que não deram retorno.

O diretor comercial da Companhia Vale do Rio Doce, Nelson Silva, também tem uma advertência para os brasileiros que queiram ingressar no mercado chinês. “As coisas não acontecem rapidamente, sejam persistentes, invistam no mercado, não queiram resolver pelo telefone, tem que visitar os clientes, almoçar, jantar com eles”, enumera Silva, responsável pela abertura do escritório da Vale em Xangai, em 1994. Os chineses gostam de visitar as instalações dos fornecedores. No ano passado, vieram 35 missões de clientes chineses da Vale. Este ano, já são mais de 20.

Os contatos deverão ser facilitados com a criação do Conselho Empresarial Brasil-China, que será formalizada durante a visita do presidente Lula. O Conselho, co-presidido por Roger Agnelli, da Vale, e Miao Gengshu, do Grupo Minmetals, reunirá 21 pesos pesados do Brasil e 24 da China, somando um faturamento de US$ 250 bilhões.

Sobre almoçar e jantar, vale a pena seguir o conselho de Júlio Azevedo, da Voith Siemens, que viaja para a China desde 1998: “Eu não pergunto o que é. Mas também até hoje não comi nada que se mexesse.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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