Na aldeia número 1 do mundo

Em 1961, a China saía da fracassada tentativa de industrialização do Grande Salto para a Frente (1958-60) e se encaminhava para a Revolução Cultural (1966-76), a destruição da elite intelectual em nome da idealização do campo

HUAXI, China – Huaxi, uma aldeia com 667 moradores no fértil Delta do Rio Yang-tsé (sudeste da China), ousou violar as diretrizes do Partido Comunista e criar uma fábrica de parafusos e de ferramentas agrícolas, para suprir a si mesma e a região. “Quando os funcionários do Partido vinham visitar a aldeia, fechávamos as janelas da fábrica e corríamos para a roça”, contou ontem ao Estado Wu Renbao, secretário-geral do PC (noutras palavras, chefe) na aldeia entre 1961 e 2003, quando foi sucedido pelo filho, Xieen.

“Trabalhávamos 15 horas por dia”, recorda Wu. A propriedade da fábrica clandestina, assim como a receita de suas vendas, era repartida em ações. Quem produzia mais ganhava mais – a antítese do socialismo. Em 1976, 380 famílias representando 1.500 moradores de Huaxi (outros não quiseram participar) fizeram o que modernamente se chamaria “aporte de capital”: cada um colocou 2 mil iuanes na sociedade.

No ano seguinte, diretriz do PC determinou a distribuição das terras – até então propriedade estatal – entre os camponeses. Mais uma vez, Wu e seus sócios se rebelaram. Preferiram que as terras continuassem parte dos ativos da empresa. A desobediência não ficou impune. “Deixei de ganhar alguns títulos honoríficos”, afirma Wu, hoje com 81 anos. “Mas não ligo. Para mim era mais importante que o povo de Huaxi enriquecesse.”

Foi precisamente o que aconteceu. Em estudo publicado em 1978, o ideólogo comunista Hu Fuming, maravilhado com a produtividade e prosperidade de Huaxi, apelidou-a de “aldeia número 1 do mundo”. Naquele mesmo ano, o líder chinês Deng Xiaoping lançou as reformas inspiradas na economia de mercado – que, no fundo, não eram mais do que Huaxi vinha pondo em prática havia 17 anos. Deng visitou a aldeia em 1979 e deu a Wu o título de “líder da aldeia número 1 do mundo”.

Hoje, Huaxi é um conglomerado de 20 aldeias e 60 mil habitantes (35 mil residentes e 25 mil trabalhadores imigrantes) – mas resiste a tornar-se município, para não perder o título. A empresa, até hoje administrada pelo Comitê do PC em Huaxi, virou uma holding de 80 fábricas (nos setores de siderurgia, químicos, maquinário e confecções), investimentos imobiliários e agronegócios, que faturou 45 bilhões de iuanes (US$ 6,62 bilhões) em 2007. Os 1.500 acionistas originais agora dividem suas ações com executivos da empresa e com investidores da Bolsa de Valores de Shenzhen, onde o capital da empresa está aberto desde 1999.

A renda per capita dos residentes de Huaxi é 80 mil iuanes (US$ 11.764), uma das mais altas da China. Todas as casas têm pelo menos um carro, área mínima de 400 m², pelo menos três suítes, e já vêm mobiliadas. A cidade, que recebe 2 milhões de visitantes por ano, está deslocando as fábricas para longe e convertendo-se ao setor de serviços. A holding, chamada Aldeia Huaxi Jiangsu S/A, está investindo 1,5 bilhão de iuanes (US$ 220,5 milhões) numa torre ultramoderna de escritórios, apartamentos e hotel de 238 m de altura, e 500 milhões de iuanes (US$ 73,5 milhões) na conversão de toda a sua agricultura em orgânica.

Wu é um herói nacional e Huaxi, o ideal de prosperidade e qualidade de vida no campo. Por determinação do PC, 10 mil quadros do partido vêm fazer treinamento na cidade todos os anos. “Socialismo é fazer o povo feliz”, define Wu.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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