Primeiro a amizade; negócios, depois

Disciplinados e dedicados, os chineses querem relacionamento pessoal antes de negociar

PEQUIM – No fim da manhã de quarta-feira, Zheng Yongbiao, vice-reitor da Escola de Economia e Administração da Universidade de Pequim, recebeu uma visita inesperada. Um repórter brasileiro, com seu intérprete do Benin (África), que estuda na universidade há cinco anos, vieram pedir uma entrevista sobre a economia chinesa.

Zheng conduziu os visitantes até a sala de reuniões. Ouviu placidamente e tomou notas, enquanto o repórter expunha suas perguntas. Ao final, Zheng explicou: “Esses temas não são minha especialidade, mas encontrarei um professor que possa lhe dar uma entrevista, e telefonarei no seu celular até as 13h” – ou seja, em menos de duas horas. Ainda não eram 13h quando o telefone tocou: podiam voltar às 15h, para a entrevista com um especialista.

Na hora marcada, aguardava na sala do vice-reitor o professor de economia Yan Cheng Le, ex-membro do Centro de Desenvolvimento Econômico da China e do Departamento de Planejamento Econômico. Yan trazia uma folha impressa com as perguntas que o repórter havia feito ao vice-reitor, digitadas em computador. A entrevista durou duas horas. Ao final, quando o repórter ia agradecendo e despedindo-se, Yan objetou, olhando para a folha: “Mas ainda falta responder duas perguntas que estão aqui!”

Assim são os chineses, confirmam executivos brasileiros com experiência de negócios na China. Disciplinados e dedicados, eles fazem a tarefa de casa. Com uma energia notável para o trabalho, ao mesmo tempo eles dão importância para o relacionamento pessoal, que eles chamam de guanxi, e que tem precedência sobre os negócios. “Com o chinês você tem que ir lá, namorar, almoçar, jantar, investir na parte pessoal”, diz Maurício Machado, chefe da China Desk do Banco Santos. “Na China, é muito importante quem apresenta.”

Sobretudo nos negócios, os chineses são desconfiados por princípio. Mas, depois de viverem duas gerações encerrados sob um sistema comunista semiautóctone, eles são também dotados de enorme curiosidade sobre o mundo. Além disso, demonstram uma cordialidade e uma facilidade em fazer amigos que lembra um pouco o espírito brasileiro.

Rosana Dias, diretora de Comunicação da Embraer, conta que os chineses que vão fazer treinamento na fábrica de São José dos Campos travam amizade instantaneamente com os colegas brasileiros. Dos 187 chineses que trabalham na fábrica da Embraer em Harbin, no norte da China, 100 já estiveram em São José. “Eles são muito afáveis”, testemunha Rosana.

 Apenas não tente fazer nada com eles de forma impessoal e às pressas. Em sua primeira viagem à China, Machado conta que seguiu o padrão de apresentação: expôs os números do país, as condições favoráveis, o perfil do banco e partiu para fechar negócios. Não surtiu efeito. “Eles até ficam com um sorriso de quem está ouvindo, mas entra por um ouvido e sai pelo outro”, diz o executivo. “Você tem que encontrar, sair várias vezes, e só depois falar de negócios. Você tem que se fazer respeitar, ganhar a pessoa. Só depois ele olha nos seus olhos e diz ‘te conheço e te respeito, agora você pode dizer a que veio’.”

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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