Para sul-coreanos, pacificação é realista; reunificação, nem tanto

Aprovação de Trump e de Kim aumentou entre os sul-coreanos, mas unificação é vista como um passo futuro. No Japão, preocupação só faz crescer

Presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder norte-coreano, Kim Jong-Un | Kevin Lamarque/ Reuters

Seul — As coisas têm andado num ritmo vertiginoso desde a primeira reunião entre os presidentes das Coreias do Sul e do Norte, Moon Jae-in e Kim Jong-un, no dia 27 de abril. Os sul-coreanos assistem às idas e vindas, cancelamentos e confirmações, com um misto de entusiasmo e cautela.

“Para nós, é muito melhor se há um entendimento”, diz a musicista Minji Shin, de 24 anos, que toca cello na orquestra nacional de Pequim, mas continua morando em Seul. “Todo mundo de fora nos pergunta se não temos medo de uma guerra. Mas não nos preocupamos tanto, porque sabemos que não vai acontecer. Se houvesse guerra, não seria só do Sul contra o Norte, porque o mundo todo se envolveria.”

Mesmo assim, Minji acha que as tensões afetam a economia. “Se houver mais segurança, haverá mais investimentos”, acredita ela. “Na verdade, com as negociações, já sentimos uma melhora.”

O número de turistas chineses na Coreia do Sul aumentou 44% em maio, em comparação com o mesmo mês do ano passado, impulsionando as vendas no varejo. A produção industrial cresceu 1,5% em abril, em relação ao mês anterior.

“Acho muito importante para os coreanos, mas para jovens como eu a guerra é uma coisa muito distante”, explica Park Jung-min, de 29 anos, engenheiro de estradas e aeroportos em uma construtora privada. O fim da guerra da Coreia, travada entre 1950 e 53, completa 65 anos em julho.

A última pesquisa do instituto Gallup, realizada no fim de maio, reflete essa diferença geracional. A visão favorável em relação a Kim e ao presidente Donald Trump na Coreia do Sul aumentou bastante nos últimos dois meses, mas de forma mais acentuada entre os mais velhos.

Entre os sul-coreanos na casa dos 40 aos 60 anos, 40% aprovam Kim, enquanto nos que estão na faixa dos 20 aos 30 anos, esse número cai para 16%. Em geral, no entanto, a visão favorável sobre Kim na Coreia do Sul saltou, de março ao final de maio, de 10% para 31%.

Os índices variam não só em função da idade, mas também da posição política. A aprovação de Kim entre os eleitores do Partido Democrático, do presidente Moon, é de 40%, enquanto entre os oposicionistas ela é de apenas 20%.

Uma pesquisa anterior do Gallup, realizada depois da cúpula de abril, mostrou que 65% dos entrevistados passaram a ter uma impressão mais favorável de Kim depois da reunião. Imagens dos presidentes do Sul e do Norte se abraçando, andando de mãos dadas e contando piadas viralizaram na internet na Coreia do Sul.

Em relação a Trump, a aprovação subiu para 32%, oito pontos a mais do que dois meses antes, e muito acima dos 9% um ano atrás. Também no caso do presidente americano, a filiação partidária influi. Entre os eleitores conservadores do Partido Coreia Liberdade, que apoiava a ex-presidente nacionalista Park Geun-hye, destituída em 2017 por corrupção, 53% apoiam Trump. Dos eleitores dos outros partidos, 44%. Já o presidente Moon exibe uma espetacular popularidade, que tem variado de 78% a 83%, em diferentes pesquisas.

Entretanto, os sul-coreanos têm dúvidas a respeito do desfecho futuro desse processo de paz. “Idealmente queremos a reunificação, mas na realidade seria complicado do ponto de vista econômico e cultural”, diz Park, o engenheiro. “Somos muito diferentes. Passaram-se 50 anos, e cada um seguiu seu caminho.”

A professora de relações internacionais Kim Jin-young, da Universidade Nacional Pusan, também considera que o destino dessas negociações não está claro. “Não temos nenhuma política de consenso com relação à unificação”, disse ela a EXAME.

“Neste estágio, o que todos queremos é a desnuclearização e pacificação da Península”, observa a pesquisadora. “As pessoas ficam dizendo que querem a reunificação, mas, em termos realistas, isso faz parte da próxima agenda. Levará tempo.”

O PESO JAPONÊS

Os sul-coreanos estão cautelosos, mas não temerosos. O mesmo não se pode dizer dos japoneses. O primeiro-ministro Shinzo Abe realizou na quinta-feira sua sétima reunião com Trump, para conversar sobre a cúpula do presidente americano com o ditador norte-coreano, nessa terça-feira em Cingapura.

Abe teme que Trump abandone os compromissos dos EUA com a defesa do Japão, na ânsia de chegar a um acordo com Kim. Nos últimos dias, o presidente americano deixou de falar sobre a desnuclearização imediata da Coreia do Norte, e passou a admitir um processo gradual.

Abe também se preocupa com a possibilidade de os EUA pressionarem pela eliminação dos mísseis norte-coreanos de longo alcance, capazes de atingir o território continental americano, mas não os de médio e curto alcance, que podem chegar ao vizinho Japão.

As diferenças de ênfase entre Japão e Coreia do Sul ficaram claras no dia 2, no fórum anual Diálogo Shangrilá, promovido pelo Instituto de Estudos Estratégicos, em Cingapura. O ministro da Defesa do Japão, Itsunori Onodera, advertiu para o risco de premiar a Coreia do Norte (com o fim das sanções econômicas) meramente por concordar em dialogar. Para ele, é preciso exigir do país, antes de um acordo, medidas concretas de desnuclearização e desarmamento, com a suspensão do desenvolvimento de mísseis “de todos os alcances”.

Já o ministro da Defesa sul-coreano, Song Young-moo, enfatizou que as negociações são uma oportunidade rara, diante da promessa de Kim Jong-un de “atingir a completa desnuclearização da Península Coreana”. Song acrescentou no entanto que precisará haver um desmantelamento verificável e irreversível do arsenal nuclear.

No dia 24, as autoridades norte-coreanas convidaram jornalistas para acompanhar a implosão de sua única instalação de testes nucleares, em Punggye-ri. Os jornalistas foram colocados a 500 metros do local, e ouviram três explosões. Mas não houve uma verificação por parte de especialistas. Na semana passada, imagens de satélites comerciais mostraram a aparente destruição da base de testes de mísseis convencionais de Iha-ri.

Além do desarmamento, o Japão exige que a Coreia do Norte entregue japoneses que teria feito prisioneiros. O regime norte-coreano afirma que já entregou todos.

Para a pesquisadora Kim Jin-young, o ceticismo dos japoneses é motivado por suas preocupações não só com a própria segurança, mas também com o fortalecimento da Coreia do Sul. “O sentimento entre os sul-coreanos é o de que o Japão pode não desejar uma Coreia unificada porque ela se tornaria mais forte tanto econômica quanto politicamente”, analisa ela.

“A divisão tem um custo enorme, tanto econômico, por causa dos gastos militares, quanto político”, observa Kim. “Mas a unificação também custa muito, no início. É um processo de longo prazo.” Segundo a especialista, Abe se aproximou dos neo-conservadores americanos, que, como ele, são nacionalistas.

Depois da reunião com Abe na Casa Branca, Trump previu que a cúpula com Kim poderá ser “um grande sucesso”. Ameaçou sair da mesa de negociações se elas não forem frutíferas ou, do contrário, convidar Kim para visitá-lo na Casa Branca.

Abe ressaltou que, para ser um sucesso, é importante que haja uma estreita cooperação entre Japão e EUA. Durante a sessão de fotos com o primeiro-ministro japonês, Trump disse que não precisa se preparar muito para a reunião: “Acho que estou muito bem preparado. É uma questão de atitude, de vontade de fazer as coisas”.

Para o pânico de Abe e dos japoneses, que planejam cada detalhe de sua vida.

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