A fortaleza cercada de Vladimir Putin

Putin deslcou a atenção dos russos de seus problemas cotidianos para uma suposta ameaça externa. Uma eleição marcada por novas sanções externas só deve reforçar seu poder

PUTIN EM ESTÁDIO DE MOSCOU: “Vocês não deviam ameaçar uma potência nuclear”, diz a porta-voz do Kremlin | Sputnik/ Alexei Druzhinin/ Kremlin/ File Photo via REUTERS

Moscou — Nas vésperas da eleição presidencial deste domingo, a Rússia foi bombardeada de novas sanções, pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos. Segundo analistas russos de várias áreas ouvidos por EXAME, no entanto, elas não vão prejudicar o presidente Vladimir Putin (podem até ajudar). Não são uma surpresa, mesmo em se tratando de Donald Trump, que parecia complacente com a Rússia. Nem terão impacto sobre a economia.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, anunciou na quarta-feira 14 a expulsão de 23 diplomatas russos e o possível congelamento de ativos da Rússia “que estejam sendo usados para atacar o Reino Unido”. Foi uma resposta ao envenenamento do ex-agente duplo Sergei Skripal e sua filha, na cidade inglesa de Salisbury.

No dia seguinte, os Estados Unidos bloquearam o acesso de 19 russos ao seu sistema financeiro, em retaliação pela interferência na eleição de 2016. O secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, mencionou também como razão o ataque cibernético lançado no ano passado contra a Ucrânia e outros países.

A reação da porta-voz do Kremlin, Maria Zakharova, resume a percepção do regime — e da maioria dos russos, segundo as pesquisas — a respeito desse tipo de embate com o Ocidente: “Vocês não deviam ameaçar uma potência nuclear”. Putin deve se reeleger presidente neste domingo, segundo as pesquisas, graças a sua imagem de líder russo que devolveu a “dignidade” ao país, depois da humilhante dissolução da União Soviética, em 1991.

“Putin foi capaz de deslocar a atenção dos russos de seus problemas cotidianos para uma suposta ameaça externa, graças a uma percepção de que a Rússia é uma ‘fortaleza cercada’”, disse a EXAME o jornalista Maxim Ivanov, repórter de política do jornal Kommersant. “O nível de aprovação do presidente permanece entre 70% e 80% há mais de 3 anos por causa, primeiro, da crise da Crimeia e, agora, por causa da guerra na Síria.”

Mas, os russos não são de carne e osso? Eles não se importam com o próprio bem-estar? Sim, claro. Mas a economia russa não vai mal. Ela conseguiu se ajustar às sanções, explicou a EXAME Evsey Gurvich, diretor do Grupo Expert Econômico (EEG), um centro de pesquisas cujo principal cliente é o Ministério das Finanças russo.

De acordo com o economista, o maior impacto inicial foi o das sanções financeiras impostas em 2014 contra bancos estatais, companhias petrolíferas e a indústria de armamentos, que perderam, com isso, o acesso a financiamento externo. O EEG calcula que, desde então, o impacto negativo sobre o PIB foi da ordem de 3%. É bastante, mas bem menor que o efeito da queda do preço do petróleo, principal produto de exportação do país: 8%.

O impacto inicial das sanções foi maior, analisa Gurvich, “porque os investidores não sabiam o que estava proibido e o que não estava”. Por precaução, paralisaram tudo. “Mais tarde, eles entenderam o que podia e não podia ser punido, e esse efeito da incerteza diminuiu em 2016.”

A reação do governo russo foi muito forte, recorda Gurvich: imediatamente trocou o câmbio flutuante controlado pela livre flutuação, aumentou os juros substancialmente (chegando a 17%) e cortou gastos.

As medidas não foram populares: congelaram os salários dos funcionários públicos e desindexaram as aposentadorias da inflação. E afetaram setores poderosos: o orçamento da defesa foi cortado em 25% no ano passado, algo que parece contra-intuitivo, considerando o novo arsenal sofisticado anunciado por Putin no mês passado.

O resultado foi a desvalorização do rublo em relação ao dólar, que inicialmente provocou aumentos dos preços dos produtos importados, mas também impulsionou as exportações russas. Os anos de 2015 e 2016 foram de recessão, porém não tão aguda quanto a da crise global de 2009.

Mas não de desemprego alto. Graças a uma reforma trabalhista promovida já no governo Putin, na década passada, os contratos são bastante flexíveis (ou seja, fácil demitir, fácil contratar), e o desemprego é estruturalmente baixo na Rússia. Hoje está em 5%, enquanto o FMI considera para a Rússia pleno emprego o patamar de 5,5%.

A inflação foi baixando. Hoje está em 2%, quando a meta do Banco Central é 4%. “É a primeira vez na história que a inflação russa está abaixo da americana”, assinala Gurvich, sorrindo. Com isso, o juro também foi caindo. Hoje está em 7,5%, o que em termos reais (5,5%) ainda é alto. O PIB cresceu 1,5% no ano passado.

Sem poder refinanciar suas dívidas, as empresas cortaram os investimentos internos. Mas esse efeito se diluiu no tempo. Hoje, o EEG calcula que o efeito anual das sanções seja de 0,1% sobre o PIB. “Mas, no longo prazo, as sanções restringirão nosso crescimento e a importação de tecnologia para o setor de extração de petróleo, além de elevar a percepção geral de riscos macroeconômicos e políticos”, adverte Gurvich.

A política externa segue seu rumo

Quanto ao impacto sobre a política externa russa, é “nulo”, assegura Dmitry Suslov, diretor de Programas do Valdai Discussion Club, um centro de estudos políticos de Moscou. “A política externa russa não mudou nem estratégica nem taticamente” desde 2014, observa o especialista. “Uma das mensagens claras dessas sanções é que elas não podem alterar a política russa, nem regional nem globalmente.”

Suslov diz que os analistas do Valdai não foram nem um pouco surpreendidos com o fato de Trump ter aderido às sanções, apesar de sua atitude mais simpática em relação à Rússia de Putin. “No início, Trump lutou contra o establishment, mas agora vemos claramente que seu governo foi dominado pela elite militar tradicional e pela direita republicana.”

Na visão do analista, o escândalo em torno da interferência russa nas eleições americanas foi uma forma de o “império americano contra-atacar”. Ele é também a expressão de uma “aliança entre os
militares e os liberais democratas, que consideram a Rússia adversária dos EUA”.

O objetivo é o de sempre, diz Suslov: a contenção da Rússia e a afirmação dos EUA como única potência. “Isso ficou muito claro na nova Estratégia de Segurança Nacional”, anunciada pelo Pentágono pouco antes de Putin apresentar seu novo super-arsenal no Conselho Federal, equivalente ao Senado russo.

“Com Trump, a guerra fria está voltando de forma mais vibrante, com uma nova escalada da corrida armamentista”, afirma o analista, referindo-se à nova doutrina de defesa americana, que preconiza o investimento em armas convencionais e nucleares.

“É claro que a Rússia não está isolada”, rejeita o analista. “A Rússia tem relações sem precedentes com a China, e muito boas com outros países emergentes, como a Índia e o Brasil.” Ele observa que o próprio Japão aderiu apenas “minimamente” às sanções, e que a Alemanha, França e Itália, bem como a Coreia do Sul, “são contra essa escalada”, que tem o apoio apenas do Reino Unido e da Polônia, parceiros incondicionais dos EUA.

Para Suslov, americanos e europeus sabem que estão perdendo terreno: “Agora está claro que o mundo está evoluindo contra as premissas ideológicas dos EUA e da União Europeia. Estão emergindo novas potências”. Ele diz que a alternativa a essa “nova guerra fria” seria os EUA aceitarem a construção de uma nova ordem internacional em conjunto com a Rússia e a China.

Quem sabe, um dia?

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