No ápice da crise, Ucrânia tem dezenas de mortos por franco-atiradores

Pela primeira vez, franco-atiradores de elite espalham terror pelas ruas de Kiev. Ao menos 47 morreram

KIEV – No dia mais violento desde o início em novembro dos protestos na Ucrânia, ao menos 39 pessoas morreram ontem em Kiev. Pela primeira vez, franco-atiradores dispararam do topo de edifícios contra os manifestantes, e ao menos 20 deles apresentavam orifícios na cabeça e pescoço, causados por balas de fuzis. O número de mortos ontem pode ter chegado a 70. Centenas de pessoas ficaram feridas.

A violência começou logo cedo, quando os manifestantes avançaram contra a polícia, para recuperar áreas da Praça da Independência, no centro de Kiev. Como parte de um acordo de anistia no início da semana, a polícia havia ocupado essas áreas. Armados com tijolos arrancados das calçadas e coquetéis molotov, os manifestantes enfrentaram a tropa de choque, que reagiu com balas de borracha e munição real, ao mesmo tempo em que os franco-atiradores abriam fogo. Pilhas de pneus foram incendiadas, criando uma fumaça espessa, que ajudava a proteger os manifestantes dos atiradores.

Depois de três horas de batalha, os policiais acabaram recuando. Os manifestantes, que exigem a saída do presidente Viktor Yanukovitch, depois que ele cedeu a pressões da Rússia e abortou o ingresso da Ucrânia na União Europeia, ocuparam vários edifícios, incluindo a Sala de Concertos de Kiev, um palecete branco estrategicamente situado sobre uma colina ao lado da praça. Assim como o Hotel Europa e uma agência bancária ao redor da praça, a Sala de Concertos foi convertida em hospital de campanha, no qual médicos voluntários socorrem os manifestantes. Eles deixaram de ser levados para hospitais comuns, porque estavam sendo retirados de lá por agentes do regime.

Dezenas de policiais foram capturados pelos manifestantes, e arrastados para uma fortificação improvisada com paus e tábuas, no meio da praça. Enquanto os policiais eram levados à força, manifestantes os xingavam. O padre ortodoxo Nikolai Givailo acompanhava o grupo, pedindo que não agredisse os policiais. Os jornalistas são impedidos de entrar nesse local, que serve de QG de segurança dos manifestantes, e não se sabe que fim tiveram os policiais e outras pessoas levadas para lá, acusadas de agentes infiltrados do governo.

De acordo com a secretaria municipal de Saúde, 39 pessoas foram mortas ontem, o que eleva a 67 o número de mortos nos últimos três dias, quando houve a escalada da violência. Já o coordenador dos médicos voluntários, Oleh Musiy, afirmou que foram 70 mortos e 500 feridos.

As mortes não parecem amedrontar os manifestantes. Ontem à noite, apesar do frio de 3 graus centígrados, muito mais gente chegava do que saía da praça. Não só jovens, mas também homens e mulheres com mais de 50 anos. Muitos deles arrancavam ladrilhos das calçadas, transportados por cordões humanos que os vão passando de mão em mão, até novas barricadas que estão sendo erguidas na linha de frente. Esses muros servem para proteção mas também os ladrilhos podem ser usados para atirar contra a polícia. Dezenas de pneus eram levados para essa área também, para formar barricadas incendiárias. Outros manifestantes alinhavam garrafas de cerveja e de refrigerantes vazias, para encher de gasolina e usar como coquetéis molotov.

Muitos voluntários distribuem sanduíches de graça para os manifestantes. Outros chegam com extintores de incêndio, que também são reunidos em alguns pontos da praça, para debelar incêndios, caso a polícia volte a invadir e a queimar as tendas espalhadas, como fez na terça-feira.

No palanque no qual militantes se alternam fazendo discursos nacionalistas contra o domínio russo da Ucrânia, imagens de Jesus Cristo e de santos e uma estátua branca da Virgem Maria indicam a inspiração religiosa do movimento.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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