‘Se Deus quiser, isso vai terminar como queremos’, diz ferido

Jovem baleado durante manifestação afirma que faria tudo de novo

BENGHAZI – Deitado no seu leito no Hospital Al-Hauari, Ramadan Musrati faz expressões de dor e coloca instintivamente a mão sobre o grande curativo no abdome enquanto conta a sua história com voz debilitada. No dia 17, esse aluno do mestrado em direito internacional na Universidade Garyounis foi para a frente da Corte de Justiça de Benghazi, depois de ler no Facebook que haveria um protesto lá contra a prisão do advogado de direitos humanos Fathi Terbel. A manifestação foi reprimida violentamente pela polícia.

Dois dias depois, Musrati voltava, junto com outros manifestantes, do enterro dos mortos no dia 17. Quando passavam na frente do quartel-general da polícia – um prédio que depois seria incendiado pelos manifestantes, no bairro de Hauari -, os policiais abriram fogo contra a multidão. Antes de ser atingido por um tiro de Kalashnikov no abdome, ele viu outros cinco manifestantes caírem à sua frente. Um homem de cerca de 30 anos ao seu lado caiu ao mesmo tempo que ele, ferido no pescoço.

Os policiais não socorreram os feridos. Um manifestante colocou Musrati e o homem ao seu lado no carro e levou-os para o hospital. Musrati teve a bala e parte do intestino removidas numa cirurgia, e deve receber alta dentro de três dias. O outro manifestante, funcionário da Academia de Pós-Graduação, continua na Unidade de Terapia Intensiva, e ficará paralítico. À pergunta sobre se está arrependido, Musrati responde que não: “Se tivesse chance, faria tudo de novo. Se Deus quiser, isso vai terminar como queremos”, arremata, referindo-se à queda de Muamar Kadafi.

Musrati não é o único da família que enfrentou o regime. Em 2006, depois de manifestações também duramente reprimidas, seu irmão, Faraj, de 33 anos, foi preso. Formado em história, empregado num órgão do governo que inspeciona edificações, Faraj conta que ficou 30 dias com os olhos vendados, outros 40 dias numa cela subterrânea em Trípoli e mais 7 meses no famoso presídio Ain Zara, também na capital. Ele diz que foi acusado de pertencer ao grupo terrorista Al-Qaeda, por ir à mesquita rezar cinco vezes ao dia, como prevê o Alcorão.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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