Coesão tribal é traço cultural

A maioria dos árabes vive em vilarejos

Ao se cercar de parentes próximos e de integrantes de sua tribo Tikrit no governo para assegurar a lealdade de seus assessores, Saddam Hussein repetiu um gesto muito comum no mundo árabe. Se o nepotisno é um fenômeno mundial, nos paises árabes ele adquire um contorno especial: a família e a tribo calam fundo no imaginário e na cultura. Originalmente, os árabes eram um povo semita e nômade que habitava a Península Arábica, vivendo do pastoreio de cabras, carneiros e camelos. O deserto limitava a agricultura — que tornou o homem sedentário — aos oásis. A maioria era portanto nômade: a figura do beduíno do deserto, que consolidou a imagem e a identidade do árabe.

No ambiente inóspito do deserto e pela estrutura de produção do pastoreio, a coesão familiar era vital. A disputa pelos escassos recursos originou uma rivalidade que tornava a integração numa tribo crucial para a sobrevivência. O advento do islamismo, no século 7.º, institucionalizou essa coesão, com a ênfase na procriação e na hierarquia patriarcal. A grande cisão da religião muçulmana, entre sunitas e xiitas, se deve à fidelidade dos xiitas aos sucessores do quarto califa, Ali, primo e genro de Maomé.

A divisão do mundo árabe em Estados nacionais e a exploração do petróleo modificaram esse cenário. Mas a maioria dos árabes ainda vive isolada em vilarejos como Tikrit, onde a identificação familiar e tribal tem um papel decisivo. E mesmo os 40% que vivem nas cidades cultivam a imagem do beduíno como o arquétipo do árabe. Basta observar a indumentária do rei Fahd e o keffieh (espécie de lenço de cabeça) de Yasser Arafat. Mesmo Saddam Hussein troca o uniforme militar pela túnica em ocasiões especiais. Mas terá de contar com algo mais do que a fidelidade tribal para se manter no poder.

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