Israel não mudou nada, afirma líder palestino

Depois de seis rodadas de negociações e às vésperas da sétima, que começa na quarta-feira em Washington, a conferência de paz do Oriente Médio não levou a lugar nenhum, pelo menos no que se refere ao conflito entre os palestinos e Israel.

É o que afirma o presidente da Organização de Libertação da Palestina, Yasser Arafat, em entrevista exclusiva a Lourival Sant’Anna, em Túnis, sede da OLP. Arafat, nome de guerra Abu Ammar, 63 anos, parecia cansado e gripado durante a entrevista. As frases eram entrecortadas por longas pausas, para tomar fôlego e medir cada palavra.

Estado – O sr. nota algum avanço no diálogo com Israel?

Yasser Arafat – Nada até agora, infelizmente. (O primeiro ministro Yitzhak) Rabin segue a mesma politica de (seu antecessor, Yitzhak) Shamir. Especialmente depois de obter as garantias dos EUA para empréstimos de US$ 10 bilhões e de superioridade militar em relação a todos os países árabes da região. Rabin voltou a anunciar que vai construir 100 mil casas para colonos nos territórios ocupados, 14 mil delas só em Jerusalém. Acrescente-se a isso sua mão de ferro contra nossas crianças e mulheres e contra os lugares sagrados muçulmanos e cristãos.

Ele não outorgou nada aos palestinos nas conversações até agora, rejeita a resolução 242 do Conselho de Segurança que prevê a retirada israelense (dos territórios ocupados). Não aceita que essa resolução seja aplicável para os territórios palestinos. Então, a que ela se aplica? O discurso do presidente Bush, a carta de convite à Conferência de Madri, e também o documento de garantias entregue pela administração americana aos palestinos, todos insistem no cumprimento das resoluções 242 e 338 da ONU.

Onde está o embargo internacional contra Israel, que rejeita as resoluções da ONU? Ou será que essa legitimidade internacional tem dois pesos e duas medidas, duas caras, uma para os israelenses e outra contra os árabes? Rabin quer uma normalização com os paises árabes às custas dos direitos dos palestinos. Mas não pode haver paz sem os palestinos. Nos Acordos de Camp David (1978), (o então primeiro-ministro israelense Menachem) Begin, (o então presidente egípcio Anuar) Sadat e (o então presidente americano Jimmy) Carter pronunciaram a famosa frase “Nenhuma guerra depois de hoje”. E quantas guerras já estouraram desde então? Quantas guerras?

Estado – Sob que condições a OLP aceita um período transitório de autonomia nos territórios ocupados?

Arafat – Temos um acordo, explicitado no convite do presidente (George) Bush e na carta de convite à Conferência de Madri. Temos também a iniciativa do presidente Bush e a carta de garantias para os palestinos, apresentada pelo sr. (secretário de Estado David) Baker, que prevê um ano de negociações, a terminar no dia 30 deste mês. Eles falam em dois anos de transição, nós dizemos um ano, com eleições legislativas sob supervisão internacional e um plano de retirada militar israelense para podermos construir o Estado Palestino, sob proteção internacional, e que haverá uma confederação com a Jordânia, conforme a resolução do Conselho Nacional Palestino, aprovada em 1983. Infelizmente, essas condições não são aceitas por Rabin. E a razão por trás disso é que estamos às vésperas de eleições nos EUA: os candidatos desejam os votos dos judeus americanos.

Estado – O sr. teme que uma eventual eleição de Bill Clinton mude o curso do processo de paz, na medida em que o Partido Democrata é por muitos considerado mais sensível ao lobby judaico?

Arafat – Nós não interferimos nos assuntos internos dos EUA. Pessoalmente, tive experiência tanto com presidentes republicanos quanto com democratas: Carter, Reagan, Nixon, Ford, Bush…

Estado – A oposição das Frentes Popular e Democrática para a Libertação da Palestina, do Hamas e do Jihad Islâmico ameaçam a participação palestina no processo de paz?

Arafat – Temos uma democracia, com multipartidarismo e liberdade de expressão. Na OLP, respeitamos a opinião da minoria, mas essa minoria tem de se comprometer com a opinião da maioria.

Estado – Qual é a representatividade, nos territórios ocupados, da delegação palestina?

Arafat – É certo que há o respaldo por parte do Irã e de outros países do Golfo a organizações ou a indivíduos tanto fundamentalistas quanto direitistas, e até mesmo esquerdistas, mas isso não significa nada. A OLP representa o povo palestino. E nós negociamos e nos movemos de acordo com as resoluções do Conselho Nacional Palestino, nosso Parlamento.

Estado – Em eventuais eleições, o sr. não teme pelo desempenho dos líderes da OLP, há tanto tempo afastados dos territórios?

Arafat – Se nós estamos exigindo isso, é porque estamos seguros. A terra ocupada é uma parte indivisível de nós. No Conselho Nacional Palestino, temos 186 membros dos territórios ocupados, que Israel impede de participar nas reuniões desse Parlamento no exílio. Estamos exigindo eleições livres para esses membros do Conselho.

Estado – Quem está matando os líderes da OLP no Líbano, e por quê?

Arafat – As mãos do Shin Bet e do Mossad (serviços secretos) israelenses. Também alguns aparatos árabes estão envolvidos nisso. Não é a primeira vez. Somos o movimento da era moderna que mais perdeu líderes. Temos dez mártires no Conselho Central da Fatah, que é a direção máxima deste movimento. Nenhum movimento nacional da época moderna teve tanto sacrifício quanto o nosso: centenas de milhares de mortos e feridos. Somente na intifada (levante nos territórios iniciado em dezembro de 1987), temos mais de 2 mil mártires, 103 mil feridos e mais de 123 mil já foram presos.

Estado – Numa visão retrospectiva, nas duas décadas que está na direção da OLP, o que o sr. apontaria como principais conquistas e reveses do movimento palestino?

Arafat – Em 1952, a questão palestina foi levada à Assembléia Geral da ONU. Foi criado um comitê especial para supervisionar a ajuda aos refugiados, como modo de apagar a causa palestina, de nos tratar como se fôssemos peles-vermelhas. A OLP fez retornar a causa palestina, para convertê-la na mais importante do Oriente Médio. Impossível haver paz, segurança, estabilidade e solução na região sem que sejam alcançados os direitos nacionais legítimos do povo palestino, de acordo com a legitimidade internacional. A OLP também faz os palestinos retornarem como o fator mais importante no mapa político do Oriente Médio. Agora é o único representante legítimo do povo palestino. Temos nossa delegação nas negociações de paz; a OLP é membro observador da ONU, sob o nome de Palestina, com o mesmo status do Vaticano, da Suíça e de outros Estados; somos integrantes plenos e um dos vice-presidentes do movimento não-alinhado; da Conferência Islâmica da Liga Árabe; observadores da Organização da Unidade Africana, sem que sejamos um país africano; de muitos organismos da ONU, como a Unesco. Portanto, nessas duas décadas, fizemos o povo palestino retornar ao mapa político. O próximo passo é retornar ao mapa geográfico.

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