Temor e desamparo nos palestinos da rua

Maioria em Ramallah ouvida pelo ‘Estado’ não culpa Arafat por seus infortúnios

RAMALLAH – A notícia da morte de Yasser Arafat foi recebida com temor e desamparo pelos palestinos comuns, que receiam ficar desprotegidos sem o homem que por 40 anos se confundiu com a própria causa palestina; mas com alguma esperança pelos mais politizados, de que haja uma administração mais transparente e menos corrupta, e o processo de paz possa finalmente se destravar – embora seja muito difícil encontrar um palestino que culpe Arafat, e não Israel, pelo seu fracasso.

“Arafat é o pai, que conseguiu unir todos os territórios para criar um Estado”, define o sociólogo Majed Arouri, de 34 anos, integrante da Comissão Palestina de Direitos Humanos. “Os palestinos esperam agora alguém que possa garantir a segurança e a Justiça”, continua Arouri, mencionando que, nos últimos dois anos, 132 pessoas foram mortas nos territórios por causa de crimes comuns. “Também precisamos combater os problemas de administração, como a corrupção. As coisas vão melhorar se as autoridades palestinas prosseguirem na transição de acordo com a lei e de forma democrática, e longe da violência.”

“Esperamos que a nova liderança siga o mesmo caminho de Arafat em direção à liberdade e à independência”, diz Arabhi Shawapke. “Todos temos de ficar unidos. Tudo o que queremos é uma vida normal, com eletricidade e água todos os dias.” Enquanto ele falava, cerca de cem manifestantes passavam, rodeando a Muqata, o complexo – semidestruído por ataques israelenses – no qual está instalada a Autoridade Palestina. “Arafat não morre”, gritava a pequena multidão. “Arafat é nosso sangue, nosso ar, Deus o proteja”, dizia mais tarde um outro grupo.

No decorrer do dia, centenas de pessoas se aglomeraram em torno do complexo, em Ramallah, que permaneceu com os portões fechados, a não ser para a entrada de policiais palestinos, que andam desarmados, por exigência israelense, desde o reinício da intifada, em 2000. Muitos traziam cartazes de Arafat e bandeiras com as cores palestinas, ou vestiam roupas pretas. O comércio estava completamente fechado. A Autoridade Palestina decretou 40 dias de luto.

“Talvez a paz se torne mais fácil, talvez não”, conjectura Hitam Adik, de 30 anos, repórter da TV Palestina. “Estamos esperando”, acrescenta ela, com feições tristes e uma blusa preta.

“Ninguém sabe o que vai acontecer”, diz Marvat Salem, de 30 anos, formada em negócios pela Universidade Bir Zeit, em Ramallah, e consultora de investimentos.

“As coisas podem melhorar ou piorar. Só se saberá daqui a um ou dois meses.” Por enquanto, diz Marvat, os investidores estão cautelosos. “Ninguém quer investir aqui agora, mas não vejo nenhum movimento de saques de fundos dos bancos daqui da Cisjordânia.”

Entre a eleição de Arafat, em 1996, e o início da intifada, em 2000, a economia foi se fortalecendo gradualmente, lembra a consultora. “De lá para cá, a curva vem descendo, e estamos no ponto mais baixo”, diz ela. “Estou muito triste pela morte de Arafat, mas estou esperançosa. Não sei se haverá eleição ou não, mas acho que Abu Mazen será o novo líder dos palestinos e ele é a pessoa certa: é moderado, pragmático, muito responsável, e aceito pelos outros países.”

O colombiano Adel Abdullah, de 36 anos, também foi acompanhar os preparativos do enterro de Arafat, cujo túmulo ficará entre dois eucaliptos, no pátio da Muqata. Filho de pai palestino e mãe colombiana, Abdullah se mudou de Bogotá para Jalazoum, na Cisjordânia, em 1999, trazendo a mulher colombiana e três filhas, em busca de uma vida melhor.

“Antes da intifada, havia bastante trabalho, o rendimento era bom e a gente via progressos”, diz o colombiano, que trabalhava numa loja de souvenirs em Jerusalém. Com o início do levante palestino, o turismo definhou. “Foi ruim para os palestinos e para os israelenses”, lamenta Abdullah.

Mas, como os outros palestinos, ele não culpa Arafat pelos seus infortúnios. “Arafat, assim como o que vier depois dele, sempre falava de paz”, diz o palestino-colombiano, à pergunta sobre se agora haveria mais chances de paz. “Quem não quer paz são os israelenses. Enquanto estiver (o primeiro-ministro Ariel) Sharon, não vai haver paz.” Abdullah continuará tentando a sorte aqui, em qualquer caso.

 Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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