Rebelde sírio descreve bombardeio a vilarejo

‘Estado’ acompanha conversa de combatentes pelo telefone

HACIPASA, Turquia – Uma conversa telefônica entre dois combatentes sírios testemunhada ontem pelo Estado, por meio do viva-voz, registra com riqueza de detalhes a ação do Exército no vilarejo de Janoudiya, noroeste da Síria, a apenas 1 km da fronteira com a Turquia. Do outro lado da linha, o combatente descreve o bombardeio do vilarejo de 9 mil habitantes e a situação da população: “Qualquer um que sair na porta será morto imediatamente.”Os corpos estão espalhados pelas ruas e há 15 pessoas sob os escombros, incluindo bebês e crianças, diz ele.

O combatente acompanhado pelo  veio de Janoudiya na segunda-feira e está em Hacipasa, do lado turco da fronteira. Ele e o combatente que continua no vilarejo sob bombardeio pediram para não revelar sua identidade para proteger suas famílias. O que está em Janoudiya demonstra sua impaciência com a falta de ação da comunidade internacional e do próprio Conselho Nacional Sírio, a oposição no exílio: “Quando vão nos entregar armas? Quando todos estivermos mortos?”

Ambos concluem que ninguém irá ajudá-los, a não ser Deus. “Estamos morrendo aqui. Não temos nenhuma esperança”, sentencia o combatente em Janoudiya.

Segue a íntegra da conversa.

– Como está a situação ao seu redor? Você pode descrever a situação?

– A situação é extraordinariamente ruim.

– O que você vê?

– Estão queimando casas. Tanques estão bombardeando. Civis estão fugindo. Pessoas sendo presas aleatoriamente.

– Quantos mártires vocês têm?

– Seis ou sete. E cerca de 15 pessoas sob os escombros, que não podemos resgatar.

– Vocês puderam retirar os corpos dos mortos de ontem?

– Não pudemos retirar nada até agora. E nem sepultar nenhum corpo. Caminhar nas ruas é proibido. Qualquer um que sair na porta será morto imediatamente. Estão pegando as pessoas e forçando-as a participar de manifestações a favor do regime.  Estão invadindo todas as casas e roubando o dinheiro, ouro e objetos de valor.

– São quantos soldados (leais ao regime)?

– Cerca de mil. Totalmente equipados com armas pesadas.

– O que eles estão usando para bombardeá-los agora?

– Estão usando tanques, morteiros, tudo.

– A quem você quer pedir ajuda?

– Peço ao mundo todo, e ao mundo muçulmano, porque os muçulmanos devem partilhar nossa dor. Não confiamos muito nos ocidentais. Primeiro peço aos muçulmanos e não quero ajuda do Conselho Nacional Sírio (CNS) nem do Exército Sírio Livre (ESL).

– Você ouviu a notícia de que o CNS enviaria armas para armar o ESL? O que acha disso? Você acredita neles?

– De verdade? Está acontecendo? Quando, então? Quando todos estivermos mortos? Não vão encontrar ninguém para armar. Esse regime é como um polvo ou Drácula. Vai de cidade em cidade, de província em província, e não vai parar enquanto não acabar com toda a Síria. Então quem eles vão armar? Ainda temos bebês e crianças sob os escombros e não podemos tira-los de lá.

– Alguém está enviando suprimentos para vocês?

– Ninguém. As pessoas estão fugindo pelos campos e fazendas e não têm água potável, não têm nada, e ninguém pode socorrer os feridos. Estão dormindo no chão, não têm cobertores, e está chovendo o tempo todo. Ninguém está nos ajudando. Só contamos com Deus. (Os soldados) jogaram toda a comida nas ruas. Derramaram no chão todo o azeite de oliva. Roubaram tudo. Peço ajuda ao mundo muçulmano.

– Não, não peça ajuda a ninguém, somente a Deus, porque ninguém vai atendê-lo. Peça só a Deus.

– Estamos morrendo aqui. Não temos nenhuma esperança.

– Peça ajuda somente a Deus. Só Deus cuidará de nós.

– Certo, só pedimos ajuda a Deus.

– Rezaremos a Deus para que os proteja.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*