Paciência dos turcos com Iraque está se esgotando

Ao falar em ação militar, comandante das Forças Armadas externou inquietação da Turquia com autonomia crescente do Curdistão iraquiano

O comandante das Forças Armadas da Turquia, general Yasar Buyukanit, exprimiu um sentimento do establishment turco ao comunicar que o Curdistão iraquiano está maduro para uma intervenção militar. Há tempos que o governo, os militares e analistas turcos observam com inquietação a tendência a um fatiamento do Iraque em três unidades distintas – um norte curdo, um centro sunita e um sul xiita – como solução final para a guerra civil. Para a Turquia, essa solução é inadmissível. E os turcos começam a achar que está na hora de entrar em ação para evitá-la.

“Do ponto de vista militar, uma operação no norte do Iraque é necessária”, disse Buyukanit, em entrevista coletiva, na quinta-feira. Na semana passada, o líder curdo Massud Barzani havia dito que os curdos iraquianos tomariam as cidades de maioria curda do sul da Turquia se os turcos interviessem no Curdistão iraquiano. O secretário-assistente de Estado americano Dan Fried telefonou ontem para o embaixador turco em Washington, Nabi Sensoy, e exortou o seu país a resolver de forma amigável as tensões com o Iraque. O presidente do Parlamento iraquiano, Mahmud al-Mashhadani, manifestou apoio a Barzani. “A mão que se estender para interferir em nossos assuntos internos será cortada”, ameaçou.

Num país fraturado pelo conflito entre sunitas e xiitas, os curdos servem de fiéis da balança da política iraquiana. O presidente do Iraque, Jalal Talabani, é um líder histórico do Curdistão, ao lado de Barzani, seu antigo rival. A nova Constituição iraquiana prevê, até o fim do ano, a realização de um referendo sobre o status final do Curdistão iraquiano, que já usufrui de autonomia, na prática, assegurada pelos americanos. No referendo, os curdos pretendem anexar ao Curdistão as ricas províncias de petróleo do norte do Iraque, junto com Kirkuk, que se tornaria sua capital.

Esse arranjo confirma os piores pesadelos dos turcos quanto ao desfecho da invasão do Iraque pelos EUA e derrubada do ditador Saddam Hussein, que mantinha o país coeso, ainda que à força. Segundo o Exército turco, 4 mil guerrilheiros curdos da Turquia usam as montanhas do Curdistão iraquiano para lançar operações contra o país. Kirkuk tem importante minoria de turcos étnicos, ali instalados pelo Império Otomano (1299-1922). A Turquia pediu que o Iraque adie o referendo, a seu ver mais um passo rumo a um Curdistão independente, que desestabilizaria a região.

Em Washington, uma das correntes de pensamento acerca da solução para o conflito no Iraque seria a separação territorial entre curdos, sunitas e xiitas. “Guerras civis são boas para separar populações e estabelecer a paz civil”, disse ao Estado, em novembro, Edward Luttwak, consultor do Pentágono. Segundo ele, os Estados Unidos não devem retirar suas tropas do Iraque, mas transferi-las para “bases remotas do deserto, das quais se protegerá o governo iraquiano, impedindo países como o Irã, a Síria e mesmo a Turquia de invadir o Iraque”.

Em Ancara, essa configuração não parece o fim, mas o começo da guerra. “Um Estado curdo com controle sobre o petróleo do norte do Iraque levaria a uma guerra total”, disse em dezembro ao Estado o analista de assuntos militares Dogu Ergil. “Os sunitas e xiitas iraquianos lutariam contra os curdos apoiados clandestinamente pela Síria, Turquia e Irã”, previu Ergil, que conduziu em 1995 o Relatório Curdo, de grande repercussão na Turquia. Nem com ajuda dos americanos, os curdos resistiriam, diz o analista, citando o exemplo da atual guerra civil, fomentada pelo apoio iraniano aos xiitas. “Sem petróleo, por outro lado, os curdos teriam que ficar com um pedaço da Turquia, para se viabilizar economicamente, o que seria outra guerra total.”

A única opção estável é um Iraque unido, capaz de compartilhar as receitas do petróleo entre as três comunidades. O que parece cada dia mais distante no horizonte.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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