Em Xangai, Banco dos Brics revela o tamanho de sua ambição

Instituição prepara abertura de escritórios no Brasil e anuncia financiamento em energia e infra-estrutura. Para crescer mais por aqui, faltam bons projetos

ZONA FRANCA DE XANGAI: banco dos Brics quer ser o banco dos emergentes | Carlos Barria/ File
Photo/ Reuters (/)

Xangai — A semana que passou não foi só de más notícias para a Petrobras, forçada a recuar na sua política de preços para apagar o incêndio criado pelos caminhoneiros, num movimento que levou à troca em sua presidência.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) aprovou um empréstimo de 200 milhões de dólares para a empresa modernizar suas refinarias em Duque de Caxias (RJ) e Betim (MG). A decisão foi tomada na reunião anual do chamado “banco dos Brics” em Xangai, onde fica sua sede.

O banco também ampliou sua carteira de financiamentos nos cinco países membros — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — de 3,5 para 5,1 bilhões. Até o final do ano, com a aprovação de novos projetos, a meta é chegar a 7,5 bilhões. Dos 21 projetos aprovados desde 2016, quando o banco iniciou suas operações, cinco estão no Brasil.

Além das refinarias da Petrobrás, os outros financiamentos no Brasil são para geração de energia eólica, solar, hidrelétrica (em pequenas usinas) e a partir de biomassa no Nordeste; drenagem pluvial, pavimentação, coleta seletiva e aterros sanitários no Pará e no Maranhão.

Os projetos no Brasil somam 621 milhões de dólares. Em um momento de cortes de recursos públicos no Brasil, e de incertezas para o capital privado, o NDB representa um canal de investimentos na depauperada infra-estrutura brasileira. O Brasil poderia ser ainda mais atendido, se a qualidade dos projetos não fosse tão pobre. O banco está abrindo uma linha de crédito para a elaboração de projetos, para ajudar também nessa dificuldade.

Na reunião do dia 28 foram aprovados os dois primeiros financiamentos para empresas não completamente estatais. Embora seja controlada pelo governo federal, a Petrobrás tem capital aberto tanto na bolsa de São Paulo quanto na de Nova York. A outra empresa beneficiada é a sul-africana Transnet, que receberá 200 milhões de dólares para renovar o seu porto em Durban.

Ela também é controlada pelo governo mas tem sócios privados.

A diferença é que a garantia do crédito não é “soberana”, ou seja, não provê dos tesouros dos países. A regra de constituição do NDB prevê que 30% de seu capital seja para projetos desse tipo. O banco está muito aquém disso.

A intenção do governo brasileiro, segundo Marcello Estevão, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, é que mais de 30% dos projetos no Brasil tenham participação de capital privado. Outros membros, como China e Índia, têm economias mais centralizadas, e devem manter participações menores nessas carteiras privadas.

O foco do banco são projetos de infra-estrutura com impactos ambientais e sociais positivos. No caso das refinarias da Petrobrás, o dinheiro servirá para reduzir as emissões de óxido sulfúrico e construir infraestrutura para separar
a água da chuva de rejeitos hídricos.

No mês passado, o NDB fez o maior desembolso de sua curta carreira. Foram liberados 67,3 milhões de dólares para a construção de seis parques eólicos no Piauí e em Pernambuco.

Eles fazem parte do Complexo Eólico Araripe 3, composto, no total, de 14 parques, nos municípios de Simões e Currais Novos (PI) e Araripina (PE). O complexo terá 156 turbinas com capacidade instalada de 358 megawatts. O financiamento total do NDB será de 300 milhões. O projeto é realizado em cooperação com o BNDES.

Segundo o diplomata e economista brasileiro Sarquis, José Buainain Sarquis, vice-presidente e diretor de riscos do NDB, a parceria é uma oportunidade de “aproveitar o conhecimento do BNDES”.

Por incrível que pareça, considerando a escassez de recursos e a precariedade da infra-estrutura brasileira, encontrar bons projetos é um grande desafio para o NDB, dizem os seus diretores. O banco envia equipes de prospecção para o Brasil e os outros países membros.

Muitas vezes o projeto é bom, mas Estados e municípios envolvidos não se qualificam para receber a garantia do Tesouro, por causa de seu nível de endividamento. O Ministério da Fazenda tem reduzido a margem. É por isso que o banco, e em particular a diretoria brasileira, tem interesse no envolvimento do setor privado. Outras vezes é o projeto mesmo que não atende as especificações técnicas, mesmo que a necessidade exista.

O NDB e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) entraram com 50 milhões de dólares cada em um projeto de drenagem da água da chuva e pavimentação para 12 municípios paraenses, além da implementação de coleta seletiva e de aterros sanitários em 10.

A parte do projeto financiada pela CAF prevê a ligação de 29 municípios por redes de fibra óptica, as chamadas infovias.

No Maranhão, estão sendo aplicados outros 71 milhões de dólares na recuperação da rodovia estadual MA 006, que liga as cidades de Balsas e Alto Parnaíba.

O NDB empresta com carência de até cinco anos e 19 anos de prazo para pagar. Diferentemente dos outros bancos de desenvolvimento, não impõe mudanças nos projetos, que devem seguir as regras do respectivo país.

Dos 5,1 bilhões de dólares emprestados pelo banco, apenas 621 milhões são destinados ao Brasil, ou seja, 12%, embora a participação brasileira no capital seja a mesma dos outros países membros: 20%. Isso se deve não só à má qualidade dos projetos, mas também à complexidade do país. Enquanto outros membros — sobretudo a China e a Rússia — são mais verticalizados e centralizados, os projetos brasileiros passam por municípios e Estados e todo o labirinto de instâncias que intervêm nas decisões sobre o dinheiro público no Brasil.

Segundo diferentes cálculos, cujos critérios são um pouco questionáveis, os países do G-20 teriam um déficit de infra-estrutura entre 1,5 e 3 trilhões de dólares. Os cinco países do Brics representam de 40% a 50% da demanda por
infra-estrutura do mundo.

“Bancos de desenvolvimento têm capitais muito insuficientes para atender a demanda por infra-estrutura dos cinco países”, observa Sarquis. “Precisam ser indutores de outros financiadores de projetos. A presença deles reduz o risco e induz investidores privados a participar, em vez de colocar seu dinheiro só em renda fixa.”

A conta fecha?

Mesmo que no momento esteja entrando mais dinheiro do contribuinte brasileiro do que saindo para projetos no Brasil, o país se beneficia de várias formas com a participação no banco, argumentam os diretores brasileiros.

Dos cinco países membros, a China é o único com grau de investimento nas três agências mundiais de classificação de risco (Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s). “Quando se junta com os outros quatro países, o Brasil capta melhor em dólares”, argumenta Sarquis.

Em contrapartida, a China tem interesse em construir um banco de desenvolvimento com sede em Xangai, considerando que a do Banco Mundial é em Washington. Na abertura da reunião anual, o ministro das Finanças da China, Kun Liu, reafirmou o compromisso de seu país com o crescimento do banco. Kun passou todo o dia em Xangai para a reunião.

Além da diferença de preço na captação de empréstimos, do potencial de alavancar e de induzir, o banco funciona também como “plataforma de troca de experiências, oportunidade de aprender fazendo”, diz Sarquis.

Em todo projeto, cada país tem 20% de participação. E há projetos de metrô, aeroporto, energia eólica e solar na China, assim como de saneamento na Rússia e na Índia.

Dos 125 funcionários do banco, 13 são brasileiros. Os contratos são de três anos. Ao deixar o banco, eles levam esse aprendizado para o Brasil, diz Sarquis. Constantemente há vagas abertas, inclusive para mais brasileiros, no site do banco (www.ndb.int). Até o cm do ano, o NDB abrirá seu escritório para as Américas em São Paulo, com uma sucursal em Brasília. Entre quatro e cinco funcionários farão trabalho de campo para a prospecção de projetos
no Brasil.

Um dos objetivos do banco é realizar empréstimos nas moedas locais. De acordo com Sergio Suchodolski, diretor de Estratégias e Parcerias, as operações em moeda externa estão sujeitas aos limites de endividamento externo do Tesouro e ao risco cambial.

Entretanto, a captação em moeda local também envolve dificuldades, porque o mercado de capitais brasileiro, assim como dos outros países membros, é pouco desenvolvido. Já foi feita emissão em reais no Japão pela International Finance Corporation (IFC), braço de financiamento do Banco Mundial.

“Se conseguirmos fazer isso de forma recorrente, estimularemos o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil e a internacionalização do uso do real”, estima Suchodolski.

“O Brasil não tem muita transação privada em reais de prazos longos, de 20 a 30 anos”, analisa Estevão, do Ministério da Fazenda. “Ter o banco emitindo em real papéis de longo prazo é bom para investidores como fundos de pensão, por exemplo.” O Brasil, representado por Estevão, ocupa até 2021 a presidência do conselho de diretores do banco.

No Brasil há muita restrição de capital público, por causa da situação fiscal. Os investimentos representam 16% do PIB, quando seriam necessários de 20% a 25%, padrão dos países emergentes na Ásia. Desses, 14% são
privados.

O investidor privado teme os riscos políticos, como expropriação, mudança de governo e de regras, além do próprio risco da construção, observa Estevão, que também preside o Grupo de Trabalho sobre Infra-Estrutura do G-20, que se reúne entre este domingo e quarta-feira em Sidney, na Austrália.

“O que temos que fazer para atrair mais investimento privado para infraestrutura é diminuir o custo da transação e mitigar o risco”, diz o secretário. Para mitigar os riscos, a estratégia é aumentar a participação de bancos multilaterais e nacionais de desenvolvimento e colocar à disposição seguros para o setor privado. O Banco Mundial já tem um braço de seguros, a Agência de Garantia de Investimento Multilateral (Miga), para investimentos públicos
e privados.

Já para diminuir o custo de transação, Estevão diz que um passo importante é dar mais informações para o mercado, para que o investidor que não seja especialista se sinta seguro para investir em qualquer tipo de obra, seja ponte ou usina nuclear, em qualquer país. Isso envolve a padronização do contrato, para que “o investidor possa decidir só lendo as primeiras páginas do projeto”.

Outra providência discutida no grupo de trabalho do G-20 é criar bases de dados que contenham informações sobre volumes de investimento, retorno, risco e quantos investidores estão participando.

Outro problema que precisa ser atacado é a qualidade dos projetos. “O setor privado se queixa de que não tem projeto bom succiente. Tem que reservar recursos para empréstimos para que especialistas elaborem projetos.”

O grupo de trabalho do G-20 contratou uma equipe de consultores do setor privado, composta por uma advogada de Nova York e executivos do banco JP Morgan, de um grande fundo de investimentos e de uma empreiteira. A equipe produziu um documento sobre o que é prioridade. “Claro que vamos olhar com olho de gestor público, não de empresário, ver o que vale a pena fazer para atrair o setor privado”, assinala Estevão.

Em julho, o grupo de trabalho fará recomendações para ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais do G-20 em Buenos Aires.

Quando foi lançado, em 2014, e batizado de “Banco dos Brics”, o NDB surgiu com uma cara de projeto do PT. No entanto, o atual governo do presidente Michel Temer mantém o mesmo entusiasmo pelo banco.

“Pode ter tido aspecto ideológico, mas o banco faz todo o sentido porque esses países vão ter voz muito maior”, opina Estevão, que fez carreira como economista do FMI e dirigiu também um fundo de investimentos em Nova York. “Desde que seja gerido de forma tecnicamente correta e não ideológica, que atenda os interesses dos países membros.”

O Brasil aposta também na expansão do banco, que significará aumento da base de capital e variedade, explica Estevão. “Isso diminui os riscos e aumenta o portfólio de capital. Uma crise em um dos países afeta mais o banco quando ele tem poucos integrantes, como agora. A expansão resultaria numa difusão do impacto das crises, e em mais projetos também.”

Para Sarquis, o NDB deve se tornar “o banco dos emergentes, não dos Brics, para contribuir com o desenvolvimento e crescimento globais”.

Na abertura do encontro, o ministro das Finanças da África do Sul, Nhlanhla Nene, disse que os novos membros seriam anunciados na cúpula dos Brics em julho em Johannesburgo. Os diretores brasileiros não confirmam isso. O Brasil está pronto para aceitar novos membros, mas a Rússia e a Índia, que têm lá suas arestas com vários países do mundo, não.

A expansão deve ocorrer até 2021. “Países de renda média, como os da América Latina, são os candidatos naturais”, aponta Estevão. “Há bons candidatos, mas ainda não estamos no momento de escolher.”

De acordo com a carta de constituição do banco, mesmo com a expansão, os fundadores manterão o seu controle, com 55% das ações (11% para cada um). Os outros 25% irão para países em desenvolvimento e 20% para países que não tomam empréstimos, que são os ricos, e que também poderão participar da governança. Assim, há uma janela de expansão de 45% do capital. Como ele vem aumentando ano a ano, o potencial é grande.

“A aproximação com os Brics é boa também por causa da pujança do crescimento da China e da Índia”, acredita Estevão. Rússia e África do Sul também têm muito espaço para construir infra-estrutura.

“O Brasil também vai crescer, quando passarem as incertezas”, aposta o secretário. “Pode ser que não cresça 3%, mas 2,5%, cresce. Dependendo de quem for eleito, crescerá mais ou menos, mas vai crescer.”

Nem que seja por osmose.

O repórter viajou a convite do NDB

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