Islâmicos criticam preconceito ocidental

LONDRES – Como é estar do lado “errado”, ser identificado como membro do grupo dos vilões, mesmo quando se tem um estilo de vida e uma mentalidade próxima da ocidental?

O Estado fez essa pergunta a muçulmanos de diversas partes do mundo que vivem, em média, há um ano em Londres. E constatou que o emaranhado de mal-entendidos e preconceitos demanda muita explicação e ponderação por parte dos muçulmanos. E isso quando os cristãos estão com paciência de ouvir.

Sadiq Ahmed e Nedhel Khalifa são um casal de médicos do Bahrein, o riquíssimo emirado do Golfo Pérsico, vizinho do Kuwait. Os dois estão realizando pesquisas no Hospital St. Thomas, e convivem com médicos não só britânicos, mas do mundo todo. “Temos ouvido todo tipo de coisas sobre o islamismo” , diz Nedhal. “Mas a gente nunca se deixa abater por um juizo ofensivo.” O casal tenta convencer os europeus usando a arma deles: o que consideram argumentações lógicas e racionais.

“Desejos humanos” – As colegas não-muçulmanas de Nedhal a assediam com o tema feminino preferido: a inferioridade das mulheres no mundo islâmico. Nedhal, de 25 anos, grávida do primeiro filho discorre serenamente sobre a lei do alcorão que prevê o casamento do homem com até quatro mulheres: “A lei obriga que ele dê a mesma atenção e conforto a cada uma das quatro, sem nunca abandonar ou favorecer nenhuma delas”, explica Nedhal, que por enquanto é a única na vida de Sadiq.

De outro canto do mundo, a malaia Yasmin Kayan, também médica, encara com a mesma naturalidade a prerrogativa masculina da poligamia. “Isso vem do tempo das guerras santas, em que poucos homens ficavam em casa e havia a necessidade de procriar”, diz Yasmin, que tem três filhos e torce para continuar sendo a única mulher de seu marido Mohammed. “Existem desejos que são humanos, como o do homem de ter outra mulher, e para evitar o fenômeno das amantes, que ficam abandonadas pelos homens, o Islã regulamenta a situação.

A poligamia é praticada na Malásia por todas as classes sociais, embora por uma minoria.

Quantas imagem do fundamentalismo islâmico como o símbolo do selvagem e irracional, os muçulmanos lamentam que só um lado da história seja contado. No caso da Argélia, afirma Yasmin – que tem um amigo argelino cujo pai e irmão são prisioneiros políticos -, “ninguém lembra as atrocidades que a França cometeu (durante a guerra da independência), nem o fato de que os islâmicos estavam chegando ao poder em 1992 pela via democrática”. Ninguém defende o terrorismo, mas preferiria que o outro lado também fosse mostrado.

“Estratégia racional” – O jornalista afegão Karim Jamaluddin conhece bem esse lado. Ele ficou na prisão em Cabul entre 1980 e 1987. por ter participado da resistência contra o regime pró-soviético. Jamaluddin não é fundamentalista, mas conviveu na cela com muitos deles. O jornalista concorda que os métodos dos integristas são selvagens, mas descreve sua interpretação do islamismo e sua estratégia política como profundamente racional.

O Afeganistão é na verdade o berço do fundamentalismo moderno. Seu manifesto foi escrito por Sayd Afghani, na década de 1880. O livro do escritor afegão, Natureza, que criticava o ateísmo na política e resgatava o ideal islâmico de justiça social, serviu de base para a criação da Irmandade Muçulmana, um movimento internacional que se consolidou em todos os países muçulmanos, sob diversos nomes e bandeiras.

Hoje existem 70 tendências islâmicas. No Afeganistão. por exemplo, os fundamentalista derrotaram o regime pró-soviético, mas há quase três anos lutam entre si um grupo ligeiramente mais moderado, que está no poder, e outro mais ferrenho.

Mergulhado nesse universo de referências e distinções, Jamaludddin acha engraçado encontrar pessoas que agrupam tudo sob uma única ótica: o civilizado versus o primitivo.

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